quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Café, água e lembranças

O maquinista faz soar o apito, o trem entra na curva. A menina segura a locomotiva enquanto os passageiros se movem para a direita acompanhando o declive.

Um gigante desfaz os vagões, leva embora as cadeiras e a repreende carinhosamente por estar trafegando no corredor.

A menina nem liga, corre para o banheiro ao lado do quarto da tivó. Nos frascos prepara água colorida com aquarela, seleciona por tom. Depois coloca tudo na borda e admira seu arco-íris particular.

O quarto da tivó é o mais claro.

Também, ela passa o dia inteiro em casa. A tivó não ouve quase nada, é preciso falar bem perto do seu ouvido. E ficou completamente cega.

A menina é a única que não tem pena da tivó. Sabe que ela vive num mundo especial, das histórias que não pode mais ler e guardou na memória como uma imensa biblioteca.

Depois de viajar e preparar o arco-íris, senta na cama da tivó para ouvir as aventuras do gato de botas, da princesa triste e do vestido cor do céu. Mesmo agora que aprendeu a ler e pode dispor do tesouro guardado nas estantes envidraçadas, prefere escutar a tivó enquanto sua alma divaga.

O almoço é na grande copa e ela representa com Arminda a comédia de sempre: posso tomar café na xicrinha? Você sabe que sua mãe não deixa. Café só pingado no leite. Depois do fingimento, ela resmunga, prepara um café com água e açúcar.

A menina toma o café enquanto tira baforadas de um cigarro imaginário. Como a mamãe. Um dia ela também irá trabalhar, algo proibido e interessante que mantém todos da casa o dia inteiro fora. Menos a tivó que é cega e viaja como ela nos trens do corredor.

Pula da cadeira, quase derrubando a xicrinha, a voz reclamona de Arminda se perdendo na tarde.

Da varanda grita para o prédio em frente:

Mary Caaaarmooo! Mary Caaaaarmooo!

Uma cópia xerox de suas trancinhas e laços aparece na outra varanda.

Vamos brincar?

Carmencita as leva até a praça onde montam a cozinha com panelinhas e fazem bolinhos de terra para dar ao gato. Ele não parece muito entusiasmado, fica por ali cheirando a louça. Copinhos de plástico e uma jarra completam a mesa. Solenemente comem e bebem de mentira, depois limpam com as mãos e o avental.

Cansada, suja e faminta, volta para as mãos de Arminda, a feiticeira que irá transformá-la outra vez na menina de laços perfeitos.

Enquanto o café esfria na xícara, a memória passeia pelo tempo.

Pega o cigarro, olha o jornal: apartamento assombrado em Laranjeiras. Intrigada lê a notícia: no seu antigo prédio uma criança aparece e desaparece causando pânico entre os moradores. O mais espantoso é que alguém conseguiu com um celular fotografar a intrusa.

Na imagem tremida o fantasma tem tranças, laçarotes e nas mãos algo que ninguém conseguiu decifrar.

Mas ela reconheceu imediatamente:

Uma xicrinha de porcelana com café, água e lembranças.

Maria Helena Bandeira

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O PAU

Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus.
Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão!
Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos dizer, ovos) do velho Pau. Neste caso, a imprensa diria que o ministro está pensando em fazer uma plástica que se chama “fimose econômica do Pau”, ou “Aperto no Pau”. Ficaremos mais uma vez, como sempre dizem eles, com um novo Pau, o Pau Novo. Um Pau muito mais forte que o antigo Pau. E os Seios, ali, firmes, deixando a gente boquiabertos de perplexidade!
Sem dúvida alguma que as empreiteiras iam todas correr atrás do Pau para toda obra. E, na CPI dos orçamentos, todos ficarão, como hoje, com a maior cara de Pau.
É claro que os maridos ao seu separarem jurariam não dar mais nenhum Pau para as esposas, mas se tiver filhos vai dar pau na pensão.
Sem dúvida alguma que os calouros que levassem pau no vestibular de fim de ano, não receberiam nenhum Pau no Natal.
Já os futuros sogros perguntam para as filhas quantos paus têm o pretendente, já que elas, inevitavelmente, irão entrar com, pelo menos, dois seios.
Não há dúvida que quando a conversa ficar pau, é porque se está faltando pau na economia brasileira.
É claro, que vai surgir aquele Pau que não fica na mão de ninguém, aquele Pau sujo, aquele Pau que precisa ser lavado, o popular pau-de-sebo, onde se colocam aos Paus lá em cima.
Conclui-se que, quando o ministro fica por aí dizendo que vem logo a paulada, é porque ele concorda comigo.

Rubens Shirassu Júnior

Paulo Mendes Campos, poesia, prosa e frases...

estantemonica

Nascimento de Paulo Mendes Campos (1922, Belo Horizonte/MG)

Literatura

Poesia

Enciclopédia Blocos de Poesia Contemporânea Brasileira: Francilangela Clarindo

Poesia-Registro: Glauco Mattoso sobre a polêmica do artigo publicado no Sibila (SP)

Prosa

Crônica: Rubens Shirassu Jr.

Coluna trimensal de Marli Berg: "Livros em Blocos"

Frases da semana (seleção de Leila Míccolis e Eliana Mora)

"Se há alguma coisa sagrada é o corpo humano" - Walt Whitman

"Os corpos são hieroglifos sensíveis" - Octávio Paz

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

CEGO INJUSTICEIRO [soneto 5088] (***)

De brigas pessoaes à margem fico,
mas acho inquestionavel que, na Casa
das Rosas, Frederico deu mais asa,
mais penna aos novos bardos, e mais bico.
Defendo, pois, que fique o Frederico
na Casa. Quanto às brigas, eu a brasa
não puxo ao peixe alheio. Acho que atraza
dois lados quando um pau só batte em Chico.
De minha parte, nada contra o Regis
terei, si destractado nunca fui.
Por outros fui listado entre os hereges.
Tomar partido em nada contribue.
De arranca-rabos, rinhas, rixas, freges,
mantenho-me à distancia, feito Ruy.

           Glauco Mattoso

___________
(***)
Para inteirar-se sobre o teor da polêmica, indicamos a leitura do artigo de Luis Dolhnikoff publicado na revista Sibila, editada por Régis Bonvicino, em 3/2/2012: http://sibila.com.br/index.php/mix/1967-sibila-avalia-a-casa-das-rosasespaco-haroldo-de-campos-
e as cartas comentando a reação de Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas, inclusive assinada pelo próprio autor do texto acima citado ("Carta aberta a Andrea Matarazzo"): http://www.sibila.com.br/index.php/cartas-dos-leitores?start=30

domingo, 26 de fevereiro de 2012

PAISAGEM VISTA DA JANELA

 

Diante dos dados
Que um dia pertenceram a Mallarmé
De todos os lados
Dedilham bailados os teclados
Tocam a cada dia
Etrônica transformação
Na poesia lua nova se anuncia
E se cada vez mais navegar é preciso
Outro Lusíadas é o épico a cantar
Posto que hoje bem outro já é o mar
Ora direis
O céu nunca esteve tão perto de cada rosto
Para ver estrelas nem mais necessário erguer o pescoço
Ruindows ou não
Segurando a caveira do monitor na mão
Cada qual contempla a sua tela
Em informática solidão

Ricardo Alfaya

The Road not Taken

Duas estradas divergiam em um bosque em setembro
E lamentando não poder seguir em ambas vias
E sendo único viajante, durante muito tempo me lembro
olhei para uma tão longe quanto eu conseguia
até onde ela dobrava na descida e sumia
Então peguei a outra, parecia boa e vasta
e fosse talvez a mais atraente
pois estava coberta de grama precisando ser gasta
embora aqueles que passaram na frente
tivessem gastado ambas quase igualmente
E ambas que aquela manhã igualmente fez
cobertas por folhas, pegada alguma a manchar
Oh, deixei a primeira para outra vez!
Mesmo sabendo como um caminho leva a caminhar
duvidei se iria algum dia voltar
Devo estar contando isso com a alma cortada
Em algum lugar, há uma distância de tempo imensa:
divergiam em um bosque duas estradas
e eu escolhi a menos viajada
e esta escolha fez toda a diferença.

                                                            Robert Frost
Tradução de Ângela Carneiro

Enviado por Rynaldo Papoy

VIDA ILUSÓRIA (Fragmento)

 

Ao mesmo tempo que a realidade é uma fábula, simulações e enganos são considerados como as verdades mais sólidas. Se os homens se detivessem a observar apenas as realidades, e não se permitissem ser enganados, a vida, comparada com as coisas que conhecemos, seria como um conto de fadas ou as histórias das Mil e Uma Noites.
Se respeitássemos apenas o que é inevitável e tem direito a ser, a música e a poesia ressoariam pelas ruas afora. Quando somos calmos e sábios, percebemos que só as coisas grandes e dignas têm existência permanente e absoluta. Que os pequenos medos e os pequenos prazeres não passam de sombra da realidade, o que é sempre estimulante e sublime.
Por fecharem os olhos e dormirem, por consentirem ser enganados pelas aparências, os homens em toda a parte estabelecem e confinam suas vidas diárias a rotinas e hábitos erguidos em fundações puramente ilusórias.

Henry David Thoreau
(1817/1862)

Do livro: n 'Walden ou A Vida dos Bosques e a Desobediência Civil, trad. Astrid Cabral, Globao, 3ª ed., 1985
Envio de Eliana Mora

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Descrição de minha viagem de Lisboa para fora de Portugal

 

Saímos de Lisboa com mais um navio pequeno, que também pertencia ao nosso capitão, e aportamos primeiro a uma ilha, denominada Ilha de Madeira, que pertence a El-rei de Portugal, e onde moram portugueses. É grande produtora de vinho e de açúcar. Ali mesmo, numa cidade chamada Funchal, embarcamos mantimentos.

Depois disso, deixamos a ilha em demanda da Barbaria, para uma cidade chamada Cape de Gel, que pertence a um rei mouro, branco, a quem chamam Sherife. Esta cidade pertencia, outrora, a El-rei de Portugal; mas foi retomada pelo Sherife. Nela pensávamos encontrar os mencionados navios que negociam com os infiéis. Chegamos e achamos, perto de terra, muitos pescadores castelhanos, que nos informaram de que alguns navios estavam para chegar, e ao afastarmo-nos, saiu do porto um navio bem carregado. Perseguimo-lo, alcançando-o; porém a tripulação escapou nos botes. Divisamos então em terra um bote vazio que bem podia nos servir para abordar o navio aprisionado, e fomos buscá-lo.

Os mouros brancos chegaram então a cavalo, a protegerem o barco; mas não podiam aproximar-se por causa dos nossos canhões. Tomamos conta do navio e partimos com a nossa preza, que consistia em açúcar, amêndoas, tâmaras, couros de cabra e goma arábica, que levamos até a Ilha de Madeira, e mandamos o nosso navio menor a Lisboa, a informar a El-rei e receber instruções a respeito entre os proprietários. El-rei nos respondeu que deixássemos a preza na Ilha e continuássemos a viagem, enquanto Sua Majestade deliberava sobre o caso.

Assim o fizemos, e navegamos de novo, até o Cape de Gel, a ver se encontrávamos mais prezas. Porém foi em vão; fomos impedidos pelo vento, que, próximo da costa, nos era sempre contrário. À noite, véspera de Todos os Santos, uma tempestade nos levou da Barbaria para o lado do Brasil. Quando estávamos a 400 milhas da Barbaria grande, um cardume de peixes cercou o navio; apanhamos muitos com o anzol. Alguns, grandes, eram dos que os marinheiros chamavam Albakores. Outros, Bonitas, eram menores, e ainda outros chamavam Durados. Também havia muitos do tamanho do arenque, que tinham asas nos dois lados, como os morcegos, e eram muito perseguidos pelos grandes. Quando percebiam isso, saíam da água em grandes cardumes e voavam, cerca de duas braças acima da água; muitos caíam perto e outros longe a perder de vista; depois, caíam outra vez na água. Nós os achávamos freqüentemente, de manhã cedo, dentro do barco, caídos durante a noite, quando voavam. E são denominados na língua portuguesa – peixe voador.

Daí chegamos até a linha equinoxial onde reinava intenso calor, porque, ao meio dia, o sol estava exatamente a pino sobre as nossas cabeças. Durante algum tempo, de dia, não soprava vento algum; mas de noite, se desencadeavam, muitas vezes, fortes trovoadas, acompanhadas de chuva e vento, que passavam rápido. Entretanto tínhamos de velar constantemente, para que nos não surpreendessem, quando navegávamos a pano.

Mas, quando de novo soprou o vento, que se tornou temporal, durante alguns dias, e contrário a nós, julgamo-nos ameaçados de fome, se continuasse. Oramos a Deus, pedindo bom vento. Aconteceu então, uma noite, por ocasião de forte tempestade, que nos pôs em grande perigo, apareceram muitas luzes azuis no navio, como nunca mais tenho visto. Onde as vagas batiam no costado, lá estavam também as luzes. Os portugueses diziam que essas luzes eram sinal de bom tempo que Deus nos mandava, para nos consolar do perigo. Agradecíamos então a Deus, depois que desapareciam. Chamam-se Santelmo, ou Corpus Santon, estas luzes. Quando o dia raiou, o tempo se tornou bom, soprando vento favorável, de modo que vimos claramente que tais luzes são milagres de Deus.

Continuamos a viagem através do oceano, com bom vento. A 28 de janeiro houvemos vista de terra, vizinha de uma cabo chamado Sanct Augustin . A oito milhas daí, chegamos a um porto, denominado Prannenbucke (Pernambuco). Contavam-se oitenta e quatro dias que tínhamos estado no mar sem ter avistado a terra. Ali os portugueses tinham estabelecido uma colônia, chamada Marin. O governador desta colônia chamava-se Arto Koslio (Duarte Coelho), a quem entregamos os criminosos; e ali, descarregamos algumas mercadorias, que lá ficaram. Terminamos os nossos negócios neste porto, com o intuito de prosseguir viagem e tomar cargas.

Hans Staden
(1548)

Do livro: "Viagem ao Brasil", Capítulo II, Academia Brasileira de Letras, 1930, RJ.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O direito do consumidor

Hoje quero contar uma historinha que se passou comigo, na semana anterior ao dia das mães. Na intenção de comprar um aparelho de DVD, fui até um desses super-hiper-mega-mercados da vida, cheios de propaganda colorida que entopem todo dia nossas caixas de correio, atraída por preços convidativos e boas condições de pagamento. Como já sabia que aparelho ia querer, pois havia escolhido antes no folheto, imaginei que fosse gastar uns quinze a vinte minutos para efetuar a compra. Na verdade, não gastei mais do que dez minutos para apontar à vendedora qual o aparelho que queria e para, com meu cartão, pagar no caixa a quantia.
Foi aí que me mandaram para uma fila onde devia aguardar para receber a compra e tirar a nota fiscal. Eram vinte e duas pessoas na fila, e eu era a vigésima-terceira. Depois de quinze minutos, a fila tinha progredido apenas duas posições. Como sou boa de conta, vi que nessa pisada, nesse ritmo, a sete minutos e meio por pessoa, eu ainda teria pela frente duas horas e meia em pé para receber minha compra. Como já estava ali há quinze minutos, que considero tempo limite para permanecer em qualquer fila, principalmente para pegar um artigo que já havia pago, comecei a me aborrecer. Todas as outras pessoas também ali estavam aborrecidas, chateadas, cansadas e se sentindo lesadas, porque quando você vai escolher o objeto ninguém lhe informa que há uma fila de mais de vinte pessoas que você tem de enfrentar depois.
Mas o consumidor brasileiro, ou pelo menos aqueles que estavam ali, nada sabiam dos seus direitos e quando comecei a reclamar em voz alta, algumas pessoas disseram que era assim mesmo, que a loja atendia mal, que o jeito era se conformar. Foi aí que eu perdi a paciência e resolvi cancelar a compra. Procurei a vendedora: já havia saído. Procurei outro vendedor: quando disse que queria cancelar a compra, respondeu que estava ocupado e não podia me atender. Procurei o gerente da seção: já havia saído. Enquanto isso, as pessoas na fila, que ainda estava parada, me olhavam com ares de reprovação, com aquele olhar de constrangimento, como se eu fosse uma louca ou estivesse mordida de cachorro doido, porque parece que ainda constitui escândalo a pessoa lutar por aquilo que acha certo.
Como ninguém me atendeu no setor dos eletrônicos, saí de loja afora disposta a ir até o escritório, ou à gerência, ou ao Papa, se fosse preciso, para cancelar minha compra ou ser tratada como gente. Então, encontrei um setor com uma placa de “Atendimento ao consumidor”. “Quero cancelar minha compra”, falei, e expliquei o motivo: a fila lenta, com mais de vinte pessoas. A atendente, muito simpática e sorridente, disse logo que não, que de maneira alguma, que não era preciso. Pediu meu CPF, em menos de dois minutos tirou a minha nota fiscal no computador e mandou uma pessoa lá dentro pegar o aparelho para mim. Tempo gasto: menos de cinco minutos.
Ainda tive vontade de voltar lá nos fundos da loja, onde estava a fila, para mostrar que se a gente chiar um pouco, consegue um atendimento melhor. Mas já que ninguém me apoiou na hora em que reclamei, achei melhor deixar por isso mesmo. Saí da loja, prometendo não voltar mais, e refletindo sobre mais essa lição. Ou seja: quando querem, atendem direito. Quando não querem, lhe exploram e tratam mal até você perder o medo e começar a não se envergonhar de lutar por um bom atendimento nessas tais mega-hiper-super-lojas que, afinal, só funcionam porque o nosso dinheiro paga por elas.

Clotilde Tavares

 

(Prosa brasileira contemporânea – Depoimento in Blocos)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A cozinha de Vitalina


      

Quem entrasse na cozinha de Vitalina nunca desconfiaria de que na prateleira, dentro do pote de açúcar, morava uma fada. Como quase ninguém acredita em fadas, não foi preciso muito trabalho para ocultar a da cozinha. Vitalina deixava-a solta, livre para sair quando quisesse do pote de açúcar. Chamava-a de Dona Moça.
        Dona Moça tinha gostos de moça. Gostava de flores no centro da mesa, paninhos de crochê cobrindo as prateleiras, cortinas coloridas na janela e toalhas bordadas em ponto de cruz. Ela e Vitalina eram tão unidas, que, se Vitalina não fosse bruxa e Dona Moça não fosse fada, dir-se-ia que eram uma só. Mas como uma era bruxa e a outra era fada preferiram dar um pontapé na tal unidade e se fizeram múltiplas. Eram tantas, que às vezes não se sabia quem era a bruxa e quem era a fada.
       Quando Vitalina morreu, Dona Moça se encolheu dentro do pote. O açúcar foi empedrando, as flores do centro da mesa murchando, os paninhos engordurando, a cortina outonando e as toalhas manchando. Em pouco tempo as traças comeram os panos, os cupins devoraram as madeiras e misteriosamente o papagaio (único ser masculino permitido na cozinha) empalhou sem ninguém o ter empalhado. Dona Moça amarrou uma trouxa na ponta da asa, trancou a casa e mudou-se para outro pote. O tempo passou, e um dia desses me contaram a historia de uma mulher que tinha uma fada e uma bruxa dentro de um pote de açúcar.

Marcia Frazão
(texto extraído de meu livro, O Caldeirão da Prosperidade , editora Planeta)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SEMENTES DE GIRASSOL

 

No próximo ano, fecharei a minha caixa de Pandora e farei passarinhar todos os bons propósitos que desafiam a minha fé. Recolherei num jardim de tulipas essa tristeza d'alma que definha o meu ego arrastado pela vaidade.
No próximo ano, soterrarei de perdões o meu mal-querer e de afagos a sórdida tendência de apostar na desgraça alheia. Erguerei a minha taça à vitória do outro e brindarei de louvores as conquistas dos que invadem a minha reserva de caça. Serei dom e não dor.
No próximo ano, fecharei as asas da ambição e, vazio de desejos, cavarei túneis no mais profundo de mim mesmo para deixar fluir as águas da plenitude.
No próximo ano, desviarei o olhar da lascívia que esgarça o meu espírito e os ouvidos aos tambores que me impedem de dançar na contramão. Não buscarei senão os odores suaves da brisa matinal e darei ao meu paladar o que amarga a língua e adoça o espírito.
No próximo ano, porei em prática sábias lições de vida: pão que se guarda endurece o coração; a cabeça pensa onde os pés pisam; o contrário do medo não é a coragem, é a fé. Sairei à rua repleto de silêncio, grávido do ser que me transfigura em morada divina.
No próximo ano, segredarei aos peregrinos os três aforismos de meu bem-viver: Deus tem sabor de justiça; a vida trafega a bordo do paradoxo; a morte é verbo e não se conjuga no presente, é sempre pretérito ou futuro.
No próximo ano, espalharei em meu peito sementes de girassol e cobrirei a cabeça com ervas aromáticas, para que a minha pele transpire luz e a minha boca profira perfumes. Não me privarei de suculentas alegrias e só darei a meu corpo o que empanturra o espírito.
No próximo ano, cultivarei cada um de meus cabelos brancos, modelarei de gorduras a flacidez de minhas carnes e preservarei cioso as rugas que maquiam de sabedoria o meu rosto. Serei belo como o tronco nodoso de uma velha castanheira que, retorcida de braços, abraça o Sol para em seus pés irradiar sombras.
No próximo ano, tratarei o semelhante com a reverência dos anjos e lavarei as portas de minha cidade para acolher em festa os que trazem boas novas. No contorno dos dias, amarrarei fitas brancas e escovarei a boca da noite até limpar a garganta de sonâmbulas aflições.
No próximo ano, não permitirei à língua servir de passarela ao mal-dizer, nem darei ouvidos a quem insiste em violar meu silêncio. Voarei sereno como os albatrozes que, todas as manhãs, impedem que o fragor das ondas fira a pele porosa das praias.
No próximo ano, não me deixarei iludir pelos profetas da desgraça, nem me hipnotizar pelos que pincelam de cores vivas os cemitérios. Ficarei atento ao olhar perplexo cravado no rosto encardido dos que suplicam uma côdea de pão e um gole de paz.
No próximo ano, trocarei minhas horas preciosas por horas ociosas e, recostado num banco de parque, darei milho aos pombos e cantarei laudes com os mendigos que, deitados na grama, escarnecem da agonia do tempo. Banharei a minha pele na lagoa pontilhada de moedas faiscantes de prata e, boca aberta sob o chafariz, beberei até embriagar-me de insensatez.
No próximo ano, violarei todas as regras da civilidade torpe que me engravata de cabrestos e rasgarei as etiquetas que me fazem perder horas em cuidados supérfluos. Arrancarei do pulso as algemas do relógio que me escravizam ao ritmo implacável de minutos e segundos.
No próximo ano, serei irresponsavelmente feliz, liberto dessa onipotência que recobre de fúria a minha excessiva fragilidade. Confessarei a mim mesmo os meus pecados e, crucificado numa roda gigante, ressuscitarei com a inocência das crianças que sorriem prenhes de vertigens.
No próximo ano, serei cidadão de um país governado por um cavaleiro que chegue montado num burrico e tenha as mãos calosas como quem cavou as entranhas da terra. Não darei lugar aos príncipes revestidos de palavras vãs, nem porei a minha confiança nos arautos surdos ao clamor dos desvalidos.
No próximo ano, farei de Deus o meu pai e o meu pão, e abrirei em laços o meu abraço, até transmutar solitários em solidários. Amarei sobre todas as coisas, para que a minha riqueza, despojada de bens, seja farta em afetos. Fecharei os olhos para ver melhor e, ao crepúsculo, serei consumido e consumado pelas chamas que ardem no lado avesso do meu ser.

Frei Betto

Enviado por Walcléa Gomes

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

As boas indicações literárias de Marli Berg

 

À MESA, COM TODA CERTEZA, AS DELÍCIAS REQUINTADAS DA ARGENTINA

A cozinha sempre foi e sempre será a parte mais importante da casa, pois é nela que se prepara os alimentos que nutrem seus moradores, mantendo-os vivos e saudáveis. Na Argentina, país de grande riqueza culinária, que remonta à época pré-colombiana, a culinária italiana e espanhola exerceram influência decisiva, fazendo com que, até hoje, massas e pizzas sejam parte do cotidiano alimentar do país vizinho, embora tenha grande riqueza de pratos que incluem, entre outros ingredientes, a deliciosa e famosa carne bovina. Enfim, matéria-prima para ser transformada em deliciosos pratos é que não falta no país vizinho.
Cozinha Argentina – Tradicional e Criativa (V&R Editoras) de Piá Fendrik — que iniciou a carreira profissional no Instituto Argentino de Gastronomia, escreve livros sobre culinária e ministra cursos de gastronomia especializada, e ilustrado pelas belíssimas fotos da também argentina Angela Coppello, que já publicou seus trabalhos em importantes revistas —, nos oferece 28 receitas de primeira qualidade, que fazem uma viagem gastronômica pela geografia argentina. A autora dividiu o território em cinco regiões, que têm características similares em suas tradições culturais e gastronômicas, transformando cada receita em homenagem a uma província, dentro de uma região.

Bem editado, lindo do ponto de vista gráfico, o livro é uma caixa de excelentes informações sobre receitas típicas e deliciosas de nossos vizinhos argentinos, permitindo que façamos uma deliciosa viagem cheia de informações e belas ilustrações, que nos motivam a visitar esta terra de tão raros e delicados sabores. A V&R merece parabéns, pelo cuidado com que escolhe os temas de suas publicações e o rigor e o primor com que os edita. Uma ótima novidade para começar o ano... comendo.

1. Biografia

A cantora e compositora inglesa de soul, Adele, nasceu em Londres em 1988, filha de mãe solteira, e pouco contato teve com o pai. Ela começou a cantar aos quatro anos, e, desde o início da carreira. afirmou que as Spice Girls foram sua grande inspiração. A voz emocionante, os hits cativantes, e a personalidade sensível de Adele, já lhe renderam prêmios e grande popularidade, além de quebrar recordes, quando seu segundo álbum, 21, permaneceu no primeiro lugar das paradas britânicas durante quinze semanas consecutivas.

Adele (Leya) de Chas Newkey Burden, o biógrafo das celebridades, cujos livros já foram traduzidos para 13 idiomas, nos apresenta a uma Adele sensível, que tem uma vida turbulenta, superou desafios e se transformou em ícone da música mundial, dominando as paradas de sucesso em 13 países. Uma mulher talentosa e sem segredos, apenas uma menina comum que conquistou o mundo, e passa esta mensagem a seus milhares de fãs, que, emocionados, lhe retribuem com aplausos e cada vez mais sucessos. Uma biografia comovente, por ser baseada em absoluta sinceridade.


2 - Literatura Brasileira / Contos

Considerado um dos melhores contistas da atualidade, o baiano de Itabuna, Hélio Pólvora construiu, em mais de 50 anos de atividade literária, uma das obras mais sólidas da literatura brasileira. Melhores Contos – Hélio Pólvora (Global), com textos selecionados pelo crítico literário e ensaísta André Seffrin, reúne quinze trabalhos do escritor, que cobrem um período de mais de trinta anos de atividade.

Pólvora cultivou, além do conto, a crítica literária, a poesia e o ensaio e, mais recentemente, estreou como romancista (chegando a finalista do Prêmio São Paulo de literatura, na categoria “estreantes”).Comparado a grandes nomes do conto mundial, como Maupassant, Machado de Assis e Katherine Mansfield, entre outros, Pólvora é uma estrela brilhante de nossa literatura, e seu poder de sedução do leitor se estende a várias gerações. A publicação deste livro é mais um acerto da Global, que tem premiado os leitores com jóias belíssima e raras da literatura brasileira.

3 - Romance Italiano

Um dos maiores escritores italianos modernos, Niccoló Ammaniti, que já nos brindou com o maravilhoso Como Deus Manda (editado no Brasil pela Bertrand Brasil), onde mostrava o mundo dos excluídos, marginalizados e brutalizados italianos numa sociedade consumista, muda agora o foco de sua obra, para desvendar outra faceta da sociedade. A Festa do Século (Bertrand Brasil) , seu mais recente lançamento entre nós, é uma ode a futilidade da sociedade atual, e tem, como protagonistas, jogadores de futebol, políticos desonestos, atrizes pornô e mais outros tipos que costumamos chamar de “celebridades”, sem nada a acrescentar ao desenvolvimento intelectual e moral da sociedade humana. Irreverente, engraçado, criativo, um verdadeiro mestre do humor negro, Ammanti mistura o grotesco, o trágico e o cômico numa narrativa brilhante, que começa com uma megafesta para comemorar a inauguração da propriedade de 450 milhões de euros de um grande especulador imobiliário, num evento grandioso, que tem tudo para fugir ao controle. As figuras mais conhecidas e poderosas da Itália vão se misturar nesta festa, e produzir resultados inacreditáveis, numa metáfora de uma sociedade apodrecida e caricaturalmente sem saída.

Um narrador nato, ele transforma A Festa do Século num retrato da sociedade italiana, e põe em xeque sua decadência e hipocrisia, conseguindo estender estes traços incômodos e até cruéis para todo o período social em que vive a humanidade. Pobre humanidade, que nem sempre consegue se enxergar, e precisa de uma obra grandiosa como esta para voltar aos tempos romanos, quando se dizia que é rindo que se castiga os costumes. Um autor genial, que produz uma grande obra, a ser lida e relida para ser absorvida.

4 - Best-Seller / Romance Norte-Americano

O amor move o mundo, gera conquistas e romances maravilhosos, como A Promessa (Lua de Papel), do americano Richard Paul Evans, autor de inúmeros romances que já venderam mais de 14 milhões de exemplares nos Estados Unidos, e foram traduzidos para mais de 25 idiomas.

Detentor de vários prêmios literários, Evans consegue, através de uma narrativa ágil e elegante, nos introduzir no mundo de Beth, casada com Marc e mãe de Charlotte, de seis anos, que, de repente, vê seu mundo ruir: a filha tem uma doença misteriosa e o marido não é o homem fiel que imaginava. E agora? Com o coração magoado, ela encontra um homem misterioso, mas que fará a diferença em sua vida e levará o leitor, com o coração aos saltos, até o final desta história linda, comovente e muito bem elaborada. Quanto aos que acham que romances de amor são melados, doces demais, que nos desculpem, mas esta história é deliciosamente sedutora e verdadeira. A ler e curtir todos os momentos da trajetória afetiva de Beth.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Hércules e os Estábulos do rei Augias

 

Zeus teve Hércules com a mortal Alcmena. Hera, esposa legítima do Senhor do Olimpo, perseguiu Hércules desde a infância, inclusive enviou serpentes para matá-lo quando bebê, mas Hércules as estrangulou. Quando Hércules já estava adulto, Hera enviou uma das Fúriaspara provocá-lo com uma loucura, o que fez com que ele matasse a própria mulher e os filhos. Seguindo os conselhos do Oráculo de Delfos, ele serviu ao primo Euristeu a fim de se purificar do crime. O rei era simpatizante de Hera e impôs trabalhos mortais a Hércules.

Primeiro Hércules enfrentou poderosos monstros, como o Leão de Nemeia e a Hidra de Lerna. Depois caçou e levou viva para Euristeu a Corça Cerinia, consagrada à deusa Ártemis. O próximo monstro foi o terrível Javali que se escondia no Monte Erimanto. Outro perigoso trabalho foi se livrar das aves antropófagas do lago de Estinfalo, próximo a uma floresta escura da Arcádia.

No sexto trabalho, Hércules teve de limpar os estábulos do rei de Élis, cidade próxima a Micenas. Augias recebeu do pai Hélio maravilhosos estábulos cheios de animais magníficos, mas não se preocupava em cuidar da área, deixando acumular montes de esterco ao longo dos anos. A sujeira deu origem a altas torres que ninguém poderia deslocar. Nem mesmo se todos os habitantes da cidade trabalhassem durante anos o local ficaria livre da imundície.

Hércules examinou o local do topo de um terreno e avistou dois rios. Por coincidência, o estábulo de Augias ficava no meio deles. Antes de realizar a tarefa, ele combinou com o rei que ganharia um décimo do rebanho e limparia tudo em um só dia. O herói atirou pedras e terra na água e construiu diques para desviar os cursos dos rios Alfeu e Peneu. As águas desviadas invadiram os estábulos e limparam toda a sujeira acumulada. Depois os diques foram retirados e os cursos retornaram ao local de origem.

Augias se recusou a efetuar o combinado e Hércules pediu o testemunho de Fileu, filho de Augias, que confirmou o trato, mas o rei expulsou Hércules e o próprio filho. Hércules juntou voluntários e organizou um exército contra Augias, mas o rei saiu vitorioso. Tempos depois, numa segunda tentativa, Hércules derrotou o rei, matou-o e colocou Fileu no trono. Hércules teria fundado os Jogos Olímpicos na Élida por conta dessa vitória.

Hércules enfrentou outros seis Trabalhos, bem mais difíceis que os seis primeiros, mas todos necessários para que ele se purificasse e reparasse seu erro, renascendo como um novo homem. Os romanos o chamaram de Hércules mas, como neto de Alceu, Hércules era chamado na Grécia de Alcides, até a realização de todos os Doze trabalhos. Após o término das provas, ele se tornaria Héracles, a glória de Hera ”, e estaria pronto para usufruir a imortalidade entre os deuses do Olimpo.

Solange Firmino

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O bambu e a poesia

 

bicho preguiça lentidão

As pessoas que não entendem poesia deveriam ter um bambuzal no jardim. O bambu e a poesia são muito parecidos: neles imperam todos os mistérios da infância, neles se percebe uma linguagem para além do racional. O bambu e a poesia compõem-se como um arco de simbolismo, têm uns verdores pênseis, umas alturas feitas de união. Não existem sozinhos. Neles tudo é composto, coletivo. São castelos que atraem o imaginário. Lá dentro: casa de insetos, de cobras, dos monstros vários da fantasia. Lá dentro, portal para o tempo imóvel do sonho.
O bambu é pouso de pássaros, criadouro de sombras, paragem do vento. Não é à toa que meninos buscam nos bambus suportes para suas pandorgas. O vento é irmão do bambu, nele se solidifica, se esculpe, nele se mascara de visível. Quando o vento quer aparecer, brinca nos entremeios do bambuzal. Pouca coisa é mais música que isto. A poesia tem uma irmã com o mesmo comportamento do vento: a palavra.
No bambu, o colmo oco guarda umas águas que não se sabe de onde. Surge mínimo e em tempo pouco, já domina a paisagem. Depois da bomba em Hiroshima, foram os bambus os primeiros a reverdecer sobre a tragédia. Foram os bambus que trouxeram aos homens o futuro, o nascimento imperioso do continuar sempre. Tudo isso também serve para a poesia.
O bambuzal alastra-se por baixo da terra, é um guerreiro ávido, faminto, vândalo com o solo, seus caules subterrâneos, sempre invasores, sempre trabalhando na busca de novos territórios, não desistem. Talvez por isso, o bambu não floresça. Tanto rouba da terra os nutrientes, que foi castigado a não ter flores. Alguns teimam, revoltam-se, querem sobre si uma primeira e última primavera. Para o bambu, florescer é morrer. Ainda hoje, os cientistas não compreendem bem este processo. Assim é a poesia, domina os escuros, cresce neles, às vezes aparece aos olhos e é apenas bela e necessária. Outras vezes, é mais corajosa, vai além, floresce para alma.
Sacrifica o entendimento, quer ser um cosmo onde nada pode ser aprisionado pela razão. Onde tudo é feito para acariciar os sentidos.
A poesia e o bambu são empórios de surpresas: deles saem flautas, varas de pescar, móveis, alimentos para os homens e para os lêmures, combustível, papel, estão no Taj-Mahal como estão no casebre. Estão na metrópole e dentro da floresta. Estão segurando encostas e sentimentos, despoluindo rios, decorando casas e cabeças.
Os dois são fáceis de serem vistos. São diários. Estão aos olhos, por isso as pessoas que não entendem poesia, deveriam ter um bambuzal no jardim.

Rubens da Cunha

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Carmen Miranda, a rainha do Carnaval!

 

 

Maria do Carmo Miranda da Cunha (Marco de Canaveses, 9 de fevereiro de 1909 — Los Angeles, 5 de agosto de 1955), mais conhecida como Carmen Miranda, foi uma cantora e atriz luso-brasileira. Sua carreira artística transcorreu no Brasil e Estados Unidos entre as décadas de 1930 e 1950. Trabalhou no rádio, no teatro de revista, no cinema e na televisão. Chegou a receber o maior salário até então pago a uma mulher nos Estados Unidos. Seu estilo eclético faz com que seja considerada precursora do tropicalismo, movimento cultural brasileiro surgido no final da década de 1960.

Infância

Carmen Miranda foi batizada com o nome de Maria do Carmo Miranda da Cunha na igreja da freguesia de Várzea da Ovelha e Aliviada, concelho de Marco de Canaveses.[1] Era a segunda filha do barbeiro José Maria Pinto Cunha (1887-1938) e de Maria Emília Miranda (1886-1971). Ganhou o apelido de Carmen no Brasil, graças ao gosto que seu pai tinha por óperas.

Pouco depois de seu nascimento, seu pai, José Maria, emigrou para o Brasil,[2] onde se instalou no Rio de Janeiro. Em 1910, sua mãe, Maria Emília seguiu o marido, acompanhada da filha mais velha, Olinda, e de Carmen, que tinha menos de um ano de idade.[2] Carmen nunca voltou à sua terra natal, o que não impediu que a câmara municipal de Marco de Canaveses desse seu nome ao museu municipal.

No Rio de Janeiro, seu pai abriu um salão de barbeiro na rua da Misericórdia, número 70, em sociedade com um conterrâneo. A família estabeleceu-se no sobrado acima do salão. Mais tarde mudaram-se para a rua Joaquim Silva, número 53, na Lapa.

No Brasil, nasceram os outros quatro filhos do casal: Amaro (1911), Cecília (1913-2011), Aurora (1915 - 2005) e Oscar (1916).[2]

Carmen estudou na escola de freiras Santa Teresa, na rua da Lapa, número 24. Teve o seu primeiro emprego aos 14 anos numa loja de gravatas, e depois numa chapelaria. Contam que foi despedida por passar o tempo cantando, mas o seu biógrafo Ruy Castro diz que ela cantava por influência de sua irmã mais velha, Olinda, e que assim atraía clientes.

Nesta época, a sua família deixou a Lapa e passou a residir num sobrado na Travessa do Comércio, número 13. Em 1925, Olinda, acometida de tuberculose, voltou a Portugal para tratamento, onde permaneceu até sua morte em 1931. Para complementar a renda familiar, sua mãe passou a administrar uma pensão doméstica que servia refeições para empregados de comércio.

Em 1926, Carmen, que tentava ser artista, apareceu incógnita em uma fotografia na sessão de cinema do jornalista Pedro Lima da revista Selecta. Em 1929, foi apresentada ao compositor Josué de Barros, que encantado com seu talento passou a promovê-la em editoras e teatros. No mesmo ano, gravou na editora alemã Brunswick, os primeiros discos com o samba Não Vá Sim'bora e o choro Se O Samba é Moda. Pela gravadora Victor, gravou Triste Jandaia e Dona Balbina ou "Buenas Tardes muchachos".

O início da carreira artística

 

 

O grande sucesso veio a partir de 1930, quando gravou a marcha "Pra Você Gostar de Mim" ("Taí") de Joubert de Carvalho. Antes do fim do ano, já era apontada pelo jornal O País como "a maior cantora brasileira".

Em 1933 ajudou a lançar a irmã Aurora na carreira artística. No mesmo ano, assinou um contrato de dois anos com a rádio Mayrink Veiga para ganhar dois contos de réis por mês, o que hoje equivale a cerca de R$ 1000,00. Foi a primeira cantora de rádio a merecer contrato, quando a praxe era o cachê por participação. Logo recebeu o apelido de "Cantora do It” Em 30 de outubro realizou sua primeira turnê internacional, apresentando-se em Buenos Aires. Voltou à Argentina no ano seguinte para uma temporada de um mês na Rádio Belgrano.

Em dezembro de 1936, Carmen deixou a Mayrink Veiga e assinou com a Tupi, ganhando cinco contos de réis.

Carreira cinematográfica no Brasil

Em 20 de janeiro de 1936, estreou o filme Alô, Alô Carnaval com a famosa cena em que ela e Aurora Miranda cantam "Cantoras do Rádio". No mesmo ano, as duas irmãs passaram a integrar o elenco do Cassino da Urca de propriedade de Joaquim Rolla. A partir de então as duas irmãs se dividiram entre o palco do cassino e excursões frequentes pelo Brasil e Argentina.

Depois de uma apresentação para o astro de Hollywood Tyrone Power em 1938, aventou-se a possibilidade de uma carreira nos Estados Unidos. Carmen recebia o fabuloso salário de 30 contos de réis mensais no Cassino da Urca e não se interessou pela ideia.

Em 1939, o empresário estadunidense Lee Shubert e a atriz Sonja Henie assistiram ao espetáculo de Carmen no Cassino da Urca. Depois de um espetáculo no transatlântico Normandie, Carmen assinou contrato com o empresário. A execução do contrato não foi imediata, pois a cantora fazia questão de levar o grupo musical Bando da Lua para a acompanhar, mas o empresário estava apenas interessado em Carmen. Depois de voltar para os Estados Unidos, Shubert aceitou a vinda do Bando da Lua. Carmen partiu no navio Uruguai em 4 de maio de 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

A carreira nos Estados Unidos e o começo da consagração

Em 29 de maio de 1939 Carmen estreou no espetáculo musical "Streets of Paris", em Boston, com êxito estrondoso de público e crítica. As suas participações teatrais tornaram-se cada vez mais famosas. Em 5 de março de 1940, fez uma apresentação perante o presidente Franklin D. Roosevelt durante um banquete na Casa Branca.

Em 10 de julho de 1940 retornou ao Brasil, onde foi acolhida com enorme ovação pelo povo carioca. No entanto, em uma apresentação no Cassino da Urca com a presença de políticos importantes do Estado Novo, foi apupada pelos que a consideravam "americanizada". Entre os seus críticos havia muitos que eram simpatizantes de correntes políticas contrárias aos Estados Unidos.

Dois meses depois, no mesmo palco, Carmen foi aplaudida entusiasticamente por uma plateia comum. No mesmo mês gravou seus últimos discos no Brasil, onde respondeu com humor às acusações de ter esquecido o Brasil e ter-se "americanizado". Em 3 de outubro, voltou aos Estados Unidos e gravou a marca de seus sapatos e mãos na Calçada da Fama do Teatro Chinês de Los Angeles.

Entre 1942 e 1953 atuou em 13 filmes em Hollywood e nos mais importantes programas de rádio, televisão, casas noturnas, cassinos e teatros norte-americanos. A Política de Boa Vizinhança, implementada pelos Estados Unidos para buscar aliados na Segunda Guerra Mundial, incentivou a imigração de artistas latino-americanos. Apesar de ter chegado nos Estados Unidos antes da criação da Política de Boa Vizinhança, Carmen Miranda sempre foi identificada como a artista de maior sucesso do projeto.

Vida amorosa e casamento

Em 1946, Carmen era a artista mais bem paga de Hollywood e a mulher que mais pagava imposto de renda nos EUA. Em 17 de março de 1947 casou-se com o americano David Sebastian, nascido em Detroit a 23 de novembro de 1908. Antes, Carmen namorou vários astros de Hollywood e também o músico brasileiro Aloysio de Oliveira, integrante do Bando da Lua.

Antes de partir para os Estados Unidos e antes de conhecer o marido, Carmen namorou o jovem Mário Cunha e o bon vivant Carlos da Rocha Faria, filho de uma tradicional família do Rio de Janeiro. Já nos EUA, Carmen manteve caso com os atores John Wayne e Dana Andrews.

O casamento é apontado por todos os biógrafos e estudiosos de Carmen Miranda como o começo de sua decadência moral e física. Seu marido, David, antes um simples empregado de produtora de cinema, tornou-se "empresário" de Carmen Miranda e conduzia mal seus negócios e contratos. Também era alcoólatra e pode ter estimulado Carmen Miranda a consumir bebidas alcoólicas, das quais ela logo se tornaria dependente. O casamento entrou em crise já nos primeiros meses, por conta de ciúmes excessivos, brigas violentas e traições de David, mas Carmen Miranda não aceitava o desquite pois era uma católica convicta. Engravidou em 1948, mas sofreu um aborto espontâneo depois de uma apresentação e não conseguiu mais engravidar, o que agravou suas crises depressivas e o abuso com bebidas e remédios sedativos.

Dependência de barbitúricos

Desde o início de sua carreira americana, Carmen fez uso de barbitúricos para poder dar conta de uma agenda extenuante. Adquiria as drogas com receitas médicas pois, na época, elas eram receitadas pelos médicos sem muitas preocupações com efeitos colaterais. Nos Estados Unidos, tornou-se dependente de vários outros remédios, tanto estimulantes quanto calmantes. Por ser também viciada em cigarro e beber muito álcool, o efeito das drogas foi potencializado. Por conta do uso cada vez mais frequente, Carmen desenvolveu uma série de sintomas característicos do uso de drogas, mas não percebia os efeitos devastadores, que foram erroneamente diagnosticados como estafa (cansaço) por médicos americanos.

“Foi numa tarde em 1942. A Igreja estava vazia, a não ser uma moça que rezava contritamente diante do altar de Nossa Senhora das Graças. Uma senhora havia me trazido uma criança para batizar, mas, por morar muito longe daqui, e não poder pagar as passagens para alguém vir, não trouxera madrinha para o filho. Aproximei-me, então, da moça que orava e perguntei-lhe se me faria aquele favor, de repetir, pela criança, as palavras do batismo. Ela concordou imediatamente, serviu como madrinha do bebê. Depois. mandou o seu carro branco buscar o resto da família da pobre senhora para uma festa de batizado na sua casa. Eu soube, então, que a moça era a estrela Carmen Miranda e sua simplicidade deixou-me uma profunda impressão, solidificada, depois, pelas suas constantes vindas à Igreja que se lhe tomou um segundo lar, dando-nos ela um altar novo para Nossa Senhora.”

— Palavras do padre Joseph na missa do funeral de Carmen Miranda, agosto de 1955

Em 3 de dezembro de 1954, Carmen retornou ao Brasil após uma ausência de 14 anos viajando e fazendo shows pelo mundo, além de estar morando nos EUA. Ela continuava casada e sofrendo com o marido, cada vez mais alcoólatra e violento. Seu médico brasileiro constatou a dependência química e tentou desintoxicá-la. Ficou quatro meses internada em tratamento numa suíte do hotel Copacabana Palace. Carmen melhorou, embora não tenha abandonado completamente remédios, álcool e cigarro. Os exames realizados no Brasil não constataram alterações de frequência cardíaca.

A morte nos EUA

Ligeiramente recuperada, retornou para os Estados Unidos em 4 de abril de 1955. Imediatamente começou com as apresentações. Fez uma turnê por Cuba e Las Vegas entre os meses de maio e agosto e voltou a usar barbitúricos, além de fumar e beber mais do que já fumava e bebia.

No início de agosto, Carmen gravou uma participação especial no programa televisivo do comediante Jimmy Durante. Durante um número de dança, sofreu um ligeiro desmaio, desequilibrou-se e foi amparada por Durante. Recuperou-se e terminou o número. Na mesma noite, recebeu amigos em sua residência em Beverly Hills, à Bedford Drive, 616. Por volta das duas da manhã, após beber e cantar algumas canções para os amigos presentes, Carmen subiu para seu quarto para dormir. Acendeu um cigarro, vestiu um robe, retirou a maquiagem e caminhou em direção à cama com um pequeno espelho à mão. Um colapso cardíaco fulminante a derrubou morta sobre o chão no dia 5 de agosto. Seu corpo foi encontrado pela mãe no dia seguinte, às 10h30 da manhã. Tinha 46 anos.

Funeral e sucesso no Brasil

Aurora Miranda, sua irmã, recebeu na mesma madrugada um telefonema do marido de Carmen Miranda avisando sobre o falecimento. Aurora Miranda se desesperou por completo e passou então a notícia para as emissoras de rádio e jornais. Heron Domingues, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, foi o primeiro a noticiar a morte de Carmen Miranda em edição extraordinária do Repórter Esso.

Em 12 de agosto de 1955, seu corpo embalsamado desembarcou de um avião no Rio de Janeiro. Sessenta mil pessoas compareceram ao seu velório realizado no saguão da Câmara Municipal da então capital federal. O cortejo fúnebre até o Cemitério São João Batista foi acompanhado por cerca de meio milhão de pessoas que cantavam esporadicamente, em surdina, "Taí", um de seus maiores sucessos.

No ano seguinte, o prefeito do Rio de Janeiro Francisco Negrão de Lima assinou um decreto criando o Museu Carmen Miranda, o qual somente foi inaugurado em 1976 no Aterro do Flamengo.

Hoje, uma herma em sua homenagem se localiza no Largo da Carioca, Rio de Janeiro.

Filmografia

Todos os títulos em Português dos filmes estrangeiros referem-se a exibições no Brasil.

1932 Carnaval Cantado de 1932 no Rio

1933 A Voz do Carnaval

1935 Alô, Alô, Brasil

1935 Estudantes

1936 Alô, Alô, Carnaval

1939 Banana-da-Terra

1940 Laranja-da-China

1940 Serenata Tropical

1941 Uma Noite no Rio (That Night in Rio)

1941 Aconteceu em Havana (Week-end in Havana)

1942 Minha Secretária Brasileira (Springtime in the Rockies)

1943 Entre a Loura e a Morena (The Gang's All Here ou The Girls He Lef Behind)

1944 Quatro Moças num Jipe (Four Jills in a Jeep)

1944 Serenata Boêmia (Greenwich Village)

1944 Alegria, Rapazes (Something for the Boys)

1945 Sonhos de Estrela (Doll Face)

1946 Se Eu Fosse Feliz (If I'm Lucky)

1947 Copacabana (Copacabana)

1948 O Príncipe Encantado (A Date with Judy)

1950 Romance Carioca (Nancy Goes to Rio)

1953 Morrendo de Medo (Scared Stiff)

Canções mais famosas

As Cinco Estações do Ano (gravada com Lamartine Babo, Mário Reis, Almirante e Grupo do Canhoto em 6 de julho de 1933)

Adeus, Batucada (gravada com Orquestra Odeon em 24 de setembro de 1935)

Alô… Alô?(gravada com Mário Reis e Grupo do Canhoto em 18 de dezembro de 1933)

Ao Voltar do Samba (Arlequim de Bronze) (gravado com o Grupo do Canhoto em 26 de março de 1934)

Boneca de Piche (gravada com Almirante e Orquestra Odeon em 31 de agosto de 1938)

Cachorro Vira-Lata (gravada com Regional de Benedito Lacerda em 4 de maio de 1937)

Cai, Cai (gravada com Bando da Lua em 5 de janeiro de 1941)

Camisa Amarela (gravada com Grupo da Odeon em 20 de setembro de 1937)

Camisa Listada (gravada com Bando da Lua em 28 de agosto de 1939)

Cantores do Rádio (gravada com Aurora Miranda e Orquestra Odeon em 18 de março de 1936)

Chattanooga Choo Choo (gravada com Bando da Lua e Garoto em 25 de julho de 1942)

Chegou a Hora da Fogueira (gravada com Mário Reis e Diabos do Céu em 5 de junho de 1933)

Chica-Chica-Bum-Chic (gravada com Bando da Lua em 5 de janeiro de 1941)

Como "Vaes" Você? (gravada com Ary Barroso e Regional de Pixinguinha e Luperce Miranda em 2 de outubro de 1936)

Cuanto Le Gusta (gravada com Irmãs Andrews e Orquestra de Vic Schoen em 29 de novembro de 1947)

Disseram Que Voltei Americanizada (gravada com Conjunto Odeon em 2 de setembro de 1940)

E Bateu-Se a Chapa (gravada com Regional de Benedito Lacerda em 26 de junho de 1935)

E o Mundo Não Se Acabou (gravada com Regional Odeon em 9 de março de 1938)

Eu Dei (gravada com Regional Odeon em 21 de setembro de 1937)

Eu Também(gravada com Lamartine Babo e Diabos do Céu em 5 de janeiro de 1934)

Goodbye, Boy (gravada com Orquestra Victor Brasileira em 29 de novembro de 1932)

I Like You Very Much (Ai, Ai, Ai) (gravada com Bando da Lua em 5 de janeiro de 1941)

I Make My Money with Bananas

Isto É Lá com Santo Antônio (gravada com Mário Reis e Diabos do Céu em 14 de maio de 1934)

Me Dá, Me Dá (gravada com Regional de Benedito Lacerda em 4 de maio de 1937)

Minha Embaixada Chegou (gravada com Grupo do Canhoto em 28 de setembro de 1934)

Moleque Indigesto (gravada com Lamartine Babo e Grupo Velha Guarda em 5 de janeiro de 1933)

Na Baixa do Sapateiro (Bahia) (gravada com Orquestra Odeon em 17 de outubro de 1938)

Na Batucada da Vida (gravada com Diabos do Céu em 20 de março de 1934)

No Tabuleiro da Baiana (gravada com Luís Barbosa e Regional de Luperce Miranda em 29 de setembro de 1936)

O Que É Que a Baiana Tem? (gravada com Dorival Caymmi e Conjunto Regional em 27 de fevereiro de 1939)

O Tique-Taque do Meu Coração (gravada com Regional de Benedito Lacerda em 7 de agosto de 1935)

Primavera no Rio (gravada com Diabos do Céu em 20 de agosto de 1934)

Querido Adão (gravada com Orquestra Odeon em 26 de setembro de 1935)

Rebola, Bola (gravada com o Bando da Lua em 9 de outubro de 1941)

Recenseamento (gravada com Conjunto Odeon em 27 de setembro de 1940)

Samba Rasgado (gravada com Grupo Odeon em 7 de março de 1938)

Sonho de Papel (gravada com Orquestra Odeon em 10 de maio de 1935)

South American Way (gravada com Bando da Lua e Garoto em 26 de dezembro de 1939)

Taí (Pra Você Gostar de Mim) (gravada com Orquestra Victor em 27 de janeiro de 1930)

Uva de Caminhão (gravada com Conjunto Odeon em 21 de março de 1939)

Voltei pro Morro (gravado com Conjunto Odeon em 2 de setembro de 1940)

Notas

Apesar de ter morado quase toda a sua vida no Brasil e nos Estados Unidos, Carmen Miranda nunca adquiriu a nacionalidade de qualquer um destes países. Portanto, sempre manteve a nacionalidade portuguesa que tinha por ter nascido em Portugal, assim como sempre foi legalmente estrangeira no Brasil e nos Estados Unidos.

O pronome da língua inglesa it era muito utilizado na época para significar um quê, um certo traço ou alguma coisa que fascina, encanta, atrai; charme, magnetismo (definição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, edição on-line visitada em 6 de dezembro de 2008.

Referências

Biografia em All Music Guide. Página visitada em 9 de março de 2011.

a b c Biografia no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.

CASTRO, Ruy, Carmen, Uma Biografia, São Paulo:Companhia das Letras, 2005, ISBN 85-359-0760-2

Astros e Estrelas, Volume 2, São Paulo:Nova Cultural, 1985

http://pt.wikipedia.org/wiki/Carmen_Miranda

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Roberto Piva e Marcia Frazão e etc

seja devasso
seja vulcão
seja andrógino
cavalo de Dionysos
no diamante mais precioso

     Roberto Piva

Do livro: Ciclones, Nankim editoral, 1997, SP

..............................

 

Porciana & Persianas Genealógicas

Casal_de_Velhinhos3

Quando apareceu, optou pelos números. À direita, o número redondo da folha. À esquerda, escondido num canto iluminado pela tênue luz da lamparina, o número do termo. Muda, invisível, inodora, alheia ao tempo e à caligrafia rebuscada, quase apagada, do empertigado escrivão do cartório. "Moço esquisito", pensou, sufocada pelas paredes amarelecidas da sala abafada, sem sol. Quis abrir as janelas, mas as trancas eram altas demais para sua altura pouca.
Invisível, se valeu desse estado e levantou a saia pesada, negra, sustentada por muitas anáguas. Recolheu as ondas do oceano de panos e esticou as pernas ávidas de sol. Seu marido não viu. O moço esquisito não viu. "Quem foi que disse que a morte não traz vantagens?", pensou com os botões da blusa abotoada até o cume do pescoço.
No topo da montanha escarpada em curvas e grotas de carne, os botões abandonaram as casas, descendo pela encosta como alpinistas à frente de uma avalanche. Ninguém percebeu o imperceptível abalo nas tábuas enceradas do assoalho e com enfado o empertigado escrivão continuou a escrever que às nove horas da noite deste dia de mil novecentos e oito falleceu Porciana Roza de Jesus, de pneumonia, aparentando oitenta annos de idade. Pronto. A morte fora lavrada e assinada.
Livre da saia, das anáguas e da blusa, Porciana se exibiu para Deus exatamente como Ele gostava de espiá-la no riacho. Ergueu-se da cadeira à frente da mesa do moço esquisito e, esticando-se na ponta dos pés, finalmente conseguiu abrir a janela. Ninguém percebeu o imperceptível tornado que embaralhou as letras rebuscadas, quase apagadas, do termo de seu óbito para formar um cifrado recado: eu, Porciana Roza de Jesus (e de Deus), sua trisavó, declaro que dos pecados cometi todos; acumulei o brilho das estrelas no cofre da alma, emprestei amor a juros tão altos que poucos amantes puderam pagá-los, gemi de prazer à cada botão desabotoado, invejei todas as aves de migração, lambi cada torrão de açúcar como se fosse o último, cobicei a prata da lua e o marulho das ondas, amaldiçoei o Criador por não ter me feito sereia ... e que os "aparentes" oitenta anos declarados pelo doutor ficam por conta dos óleos com que ungi meu corpo nos meus noventa e sete anos de vida.

Marcia Frazão

 

 

 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Educação sentimental

 

Magrittepintura de Magritte

Naquele ano de 1973, a história registrou a morte de Pequeno. Morreu sem que se soubesse bem a causa. Umas dores surgiram do nada, intensificaram-se e o levaram. Dona Rosa chorou a perda do marido, alimentando o hábito milenar. Suponho tenha sido também o hábito o que a levou à cova, a fazer companhia ao marido, meses após a morte deste. Os filhos do casal sofreram, a ponto de um deles, a Mirinha, intentar contra a própria vida, pretendendo atirar-se no buraco onde jazia sua progenitora.
– Não faça isso, Mirinha – aconselhavam-na os mais lúcidos – Tem a vida pela frente. Filhos a cuidar. Marido. Enfim, uma vida.
Cedeu às súplicas e não se matou. Atitude acertada, pois logo estava às voltas com Sinézio, seu marido, que se enrabichou por uma menina da Rua do Campo. O desejo de matar rapidamente tomou outra feição e outro rumo. Mirinha deu a andar armada de faca.
– Vou retalhar aquela vagabunda!
Mas não é este o rumo que quero dar a esta história. Triângulo amoroso em romance é motivo vulgar. Vamos à morte de Pequeno.
Pequeno morreu, é fato. Otaviano fez-lhe o caixão. Seis tábuas compradas na venda de seu João Celi, mais tecido roxo para forrar o caixão pelo lado de fora, cambraia branca para a parte interna, pregos duas e meia por dez, alças, uns emblemas prateados: crucifixos, estrelas, anjos e... Basta! Morre com luxo quem pode. As coisas estão pela hora da morte. E mais essa de certidão de óbito! A cachaça, sim, é necessária.
O enterro foi marcado para o dia seguinte, pela manhã.
Uma dúzia de alunos estaria em aula nesse turno. Como é de se supor, todos os alunos, em sinal de respeito e para prestar exéquias ao morto, deviam estar presentes no cemitério.
Mas deixe estar que um dos alunos, o Hércules, justamente nesse dia resolveu ficar em casa e dormir até mais tarde. Ou teria ele fugido de uma lição que não estudou? Quem sabe não era dia de sabatina.
Pensassem o que quisessem, o fato é que ele não compareceu nem à aula nem ao enterro.
Com a professora Beatriz dia de sabatina era qualquer dia. E a enterro todos eram obrigados a estar presentes. Será possível que todos não sabiam disso?
A falta de Hércules foi visível. Bastou a professora percorrer as carteiras com os olhos e logo percebeu o faltante. Caderneta à mão, iniciou a chamada.
Ficou registrada a falta do senhor Hércules.
Pulemos o resto do dia: a liberação dos alunos mais cedo para irem ao enterro, as lágrimas e os ais pungentes de Mirinha, que, neste ponto, queria se matar. Coisa do passado. Pulemos até os pensamentos que a professora Beatriz dedicou a seu pupilo. Ele era já um rapaz, claro, e se dava muito bem com a professora. Mas o que ela não podia mesmo era deixar de dar o exemplo. Além do mais, ele merece o castigo, se só anda com a Neirinha para cima e para baixo, metidos nos becos. Lambisgoia oferecida. Ele bem poderia dedicar seu tempo ao estudo.
Moço bonito... A professora o considera muito. Mas, como já foi dito, a falta é imperdoável. Ele que a aguardasse amanhã. Como os amanhãs no tempo literário não obedecem a calendário, eis que aquele tão esperado amanhã se tornou um presente. Dolorido para o rapaz.
Bem cedinho, como não era do costume da professora, ela chegou à escola. Mas no caminho não teve pressa. Deu bons dias simpáticos aos madrugadores. Conjecturou de si para si que Aldeia da Purificação era um atraso e que continuaria um atraso, tão pouco havia progredido a cidade.
– Cidade! Hum! – questionou o status do lugar. – Isto aqui não passa mesmo de uma aldeia, velha desde sua origem, parada no tempo colonial. Onde já se viu coisa parecida: meninos fazendo necessidades e limpando-se com folhas de mato e tocos de pau. Um atraso. Nem água encanada, nem luz elétrica. Diabo de lugar!
Zangou-se a professora, mas logo desfez o cenho contrariado e acalmou as ideias. “Mas o clima é bom. A água é natural, da fonte. Todos me consideram e
respeitam. Aqui eu sou “a professora”. O título tem peso. Uma inteligência considerável. A palavra final. A mão que educa. Estou acima. Posso olhá-los de cima. Pobres miseráveis. Ignorantes de pai e mãe, e avós maternos e paternos, e de toda a ancestralidade. Calma, Beatriz. Calma”.
– Bom dia, dona Flor. Como vai senhor Dudu? Melhorzinho do furúnculo?
– Bom dia, senhor Bernardo. Não me esqueci do corte de tecido. Ontem mesmo pedi a meu marido que fosse pegar, mas parece que ele não me ouviu. Não, não se preocupe, o José Fernandes é bom menino, só precisa estudar mais, decorar as perguntas. Ontem mesmo foi necessário dar-lhe seis bolos. Imagine o senhor que o ano finda e não conseguiu decorar o que é o rio Amazonas...
– Pode bater professora, pode bater. Aumente os bolo para doze...
Até logo, senhor Bernardo.
Vê-se que os pensamentos da professora eram e são fortes, impõem-se até mesmo sobre a mão deste pobre contador de histórias. Não era minha intenção expor esses detalhes, há pouco o disse, mas o que é um escrevinhador senão um títere na mão das personagens? Saliento que a professora Beatriz existe na carne e no osso, e na feição melancólica que lhe baixa quando se dirige a...
– Eu o proíbo de contar! Proíbo-o!
Bem se vê que a professora Beatriz não é dessas que se deixam conduzir, e...
– Conte os fatos na pele, na casca, da porta para fora de casa. Que tem o povo de saber da poeira sob o tapete?
Ora, ora, ora, que ideias são essas, senhora? Tudo bem, pulemos o que não deve ser dito. Títere, hum...
Os primeiros alunos começaram a chegar. Uns vinham correndo, brincando de triscou pegou. E chegavam suados. A professora fazia uma cara de nojo ao ver os meninos. “Mas que porcos!”. Outros vinham na leseira, conversando com árvores e lagartos. Paulo Afonso é este que acabou de chegar, veio a cavalo, pois o Bebe-Água, onde morava, é longe. Quando o pai o colocou na Escola Ruy Barbosa, o rapazinho não sabia o que era um “A”. Logo era o mais sabido. Decorava tudo direitinho, não comia uma vírgula. Bebeu o rio Amazonas desde a sua nascente, nos Andes, até onde desagua, no Atlântico. Era o orgulho da professora. Menino esforçado. Vinha montado a cavalo, fizesse sol ou chuva. Não faltava.
A professora, e logo todos do lugar, tinha-o como bom exemplo. Criou fama, pronto. Os patos e perus que seu Antônio, seu pai, presenteava a
professora, ajudavam no progresso do menino. Jajá recepcionou Paulo Afonso assim que a professora Beatriz o apresentou à turma.
– Vou quebrar sua cara lá fora!
– Senhor Wellington, vá ao quadro negro e escreva a palavra “nucleinarsenovanolformiocoestriquinolglicosfosforado” cinquenta vezes.
E lá se ia Jajá passar toda a manhã enrolando no quadro negro.
Mas a professora, no quadro que nos interessa, chegou à escola e esperou os alunos na porta, barrando a entrada, pois só poderiam entrar depois que eles lhe dessem beijinhos.
Novidade, isso. E o povo pensando que a professora Beatriz era má. Má nada! Tão carinhosa com os alunos. Imagine: beijinhos no rosto. Até Jajá, que a odiava tanto, ficou feliz com o beijo e não lavou o rosto aquele dia. Passava a mão, como se para sentir os lábios macios e úmidos da querida professora Beatriz. Fez coisas erradas pensando nela. Descobriu que quanto mais pecaminoso o ato, mais prazeroso ele fica.
Hércules surgiu na rua da escola. Nesse momento o coração da professora deu um...
– Não diga! Não diga! Eu o proíbo!
Diabo! E eu lá sei fazer história de silêncio! Desse jeito é melhor não contar nada. Bem, só nos resta irmos aos fatos, pois fatos são só fatos...
O rapaz chegou e logo se surpreendeu ao ver a professora com o braço esquerdo cruzando a porta.
– Bom dia, professora. Posso entrar?
Ela nem lhe disse nada, simplesmente suspirou fundo, ofertou-lhe o rosto para ser beijado, e em seguida beijou as faces do mocinho.
Preferiria que Beatriz fosse uma Ema, uma Ana, uma Luísa; mas não, é Beatriz, Beatriz, Beatriz. Esse negócio de triângulo amoroso ser motivo vulgar é coisa dela.
– Só o estava esperando. Vamos entrar.
Entraram. A professora fechou a porta. E começou sua aula.
– Como todos sabem, senhor Pequeno faleceu ontem. Em sinal de respeito, encerramos as atividades escolares mais cedo e fomos lhe prestar as últimas homenagens. Todos estávamos presentes. Todos.
Todos, exceto o senhor, senhor Hércules.
Cruz credo! Eu é que não queria estar no lugar do rapazinho. A professora virou outra. Aquela doçura que há pouco se desmanchava com os alunos, virou o Diabo. Fuzilava o rapaz com os olhos e lhe apontava o dedo duro.
– Venha até aqui!
O rapaz levantou-se da carteira e caminhou até a mestra. Ela abriu a gaveta de sua carteira e de dentro retirou a palmatória pesada. A palmatória especial, feita de pau-ferro.
– Dê-me sua mão.
O rapaz lha estendeu e aguardou, tremendo (esse “lha” é um lapso, resquício do tempo colonial).
A professora segurou firme a mão do rapaz e, erguendo a palmatória, desceu-a uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes na mão esquerda, que ardia.
– Agora me mostre a outra.
O rapaz mantinha a mão direita atrás das costas, fechada, represando a dor que a outra estava sentindo. Bem poderia, naquela predisposição,
socar a professora. Ora, mas que ideia avançada. Quem sabe num futuro próximo... Desarmou-a e estendeu-lha. A professora retomou a contagem:
– E sete, e oito e nove, e dez, e onze, e doze. Uma dúzia! Uma dúzia, para o senhor aprender a nunca mais faltar a enterro de ninguém.
Ouviu? Então, por que o senhor faltou ao enterro de senhor Pequeno?
– Foi pai... pai que não deixou. Minha família não se... minha família não se dá com a dele.
– Está bem. Agora pode ir se sentar.
Não vai chorar não, rapaz?
– Vá se ferrar, seu porra!
Vê? A professora está certa. Não respeitam mais ninguém... nem colegas, nem professores, nem mesmo quem lhes bota no mundo... São esses novos, velhos tempos...
A professora, depois desse episódio, ela se...
– Não se atreva! Eu o proíbo!

Flamarion Silva

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Televisão para ser lida. E apreciada

 Acesse o blog Notícias do Estação

Mito – Boni revê em livro uma trajetória que é sua, mas que bem vale como a história da TV no Brasil
Quem não se comunica... A despeito do zelo de Boni por qualidade, Chacrinha achava que a Globo tinha é de ser popular
Trecho: “Na TV, toda obra é coletiva, cada projeto exige participação de diversos profissionais”

               Ao chegar à TV Globo com Walter Clark, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, resolveu investir numa atração popular, mesmo correndo o risco de comprometer outro objetivo do grupo de profissionais que havia assumido o desafio de fazer a emissora da família Marinho “decolar”: Abelardo Barbosa, o Chacrinha, tinha um programa popularesco na TV Rio e foi contratado a peso de ouro, sob o compromisso de não “apelar” tanto como fazia no outro canal. No dia da estreia, contudo, o apresentador chamou Anthony Ferreira, seu gerente de produção, e, às escondidas, divulgando por um folheto, promoveu o concurso “Cachorro com mais pulgas”.
               Os altos índices de audiência foram comemorados pelo comunicador, que comentou: “O Boni quer melhorar o nível, mas a Globo tem é que ser mais popular”. Mais de cem cães concorreram e o vencedor tinha sete mil pulgas. No dia seguinte, foi estendida uma faixa na rua da sede da emissora, no Jardim Botânico: “Querem manter a Pacheco Leão? Acabem com o Chacrinha!” Com o prédio novo infestado de pulgas, este foi procurado pelo chefe dos serviços gerais, coronel Paiva Chaves, que lhe disse que não poderia repetir o feito. “Eu faço o programa, o senhor dedetiza, tá bom?”, reagiu ele.
               Dado o recado, Paiva Chaves continuou em seu emprego e Chacrinha virou o Velho Guerreiro, protagonista dos comunicólogos do mundo inteiro, autor do lema fundamental para a profissão: “Quem não se comunica se trumbica”, que o criador do Padrão Globo de Qualidade usou como título para o capítulo que lhe dedicou em O livro do Boni, editado pela Casa da Palavra.
               O conflito entre o grupo que entrou na Globo para transformá-la na Vênus Platinada, a monopolista de audiência na televisão brasileira e o carro-chefe da entronização do veículo como a referência máxima de informação e entretenimento nos anos seguintes a seu desembarque no Jardim Botânico, e a cubana Gloria Magadan não foi tão polido. Num baile, ela chegou a morder a orelha de seu par, Daniel Filho, que Boni nomeara para dirigir telenovelas cujo núcleo ela comandava, com força e com vontade. O contrato dela com a Globo lhe dava poder total, mas Boni o leu com atenção e descobriu que era dele o poder de tirar as novelas do ar em qualquer capítulo. Além disso, já tinha confiança no grupo fiel que formou em torno dele e de Daniel, principalmente com a revelação do talento para entender o gosto do povo demonstrado por Janete Clair, mulher do dramaturgo baiano Dias Gomes, que dirigia a Rádio Clube do Brasil, em 1949, quando, na pré-adolescência, Boni o seguiu como uma sombra para aprender com ele como se dirigia uma emissora de rádio.
               No topo da audiência, que o Velho Guerreiro havia ajudado a consolidar, tendo transformado suas telenovelas em produto comercial para ser vendido no mundo inteiro, antes que terminassem os “anos rebeldes” de 1960, Boni e Clark contaram com o apoio do diretor comercial, José Ulisses Arce, para tornar viável uma ideia que era combatida entre outros executivos da emissora, um telejornal em rede nacional, por dois motivos, resumidos por Armando Nogueira, que, como diretor do jornalismo, foi o responsável por sua execução: “Não há dinheiro e as afiliadas não vão querer”. Arce rebateu num almoço da cúpula da Globo: “Ponham no ar que vendo em uma semana”.
               No Livro do Boni, o autor resumiu num parágrafo o que levou o Jornal Nacional à “grade” de programação, conceito revolucionário usado por aqueles mesmos executivos para racionalizar a produção e a comercialização de seus programas: “Na televisão toda obra é coletiva. Cada projeto exige a participação de muitos profissionais de diversas áreas. A televisão brasileira nasceu muito depois da televisão americana e, portanto, nasceram lá fora quase todas as ideias e soluções para a televisão. Não que a televisão brasileira seja uma cópia da americana. Não é. Mas eles equacionaram muitos problemas antes de nós e superaram vários desafios que só enfrentamos muito mais tarde”.
               Estas duas afirmações categóricas do homem apontado por seus áulicos como o responsável pela implantação da ideia de “grade” recomendam a leitura das 464 páginas do livro que já está produzindo polêmica, mas, por isso mesmo, é de leitura indispensável para os profissionais de comunicação, sejam jornalistas, sejam artistas, sejam publicitários. E também para o grande público, que acompanha os bastidores da televisão com a mesma atenção com que não perde os shows de humor, as transmissões esportivas, os programas de variedades e tantos outros produtos vendidos na telinha nossa de cada dia.
               Com a ajuda de um pesquisador atento, seu lugar tenente Carlos Vizeu, ex-auxiliar na Globo e executivo da TV Vanguarda de São José dos Campos, do qual é proprietário, o autor pôs os pontos nos is ao relatar sua experiência como publicitário em agências mitológicas como a Lintas e suas passagens pelas TVs Paulista, Excelsior, Rio, Tupi e Bandeirantes antes de se tornar o mais conhecido e reconhecido executivo do ramo no Brasil.
               Serviço: O Livro do Boni; Editora: Casa da Palavra; Preço: R$ 44,90; Páginas: 464

 

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 14/2/2012 - http://www.blocosonline.com.br/home/index.php

Poesia e Leila Míccolis

 

envelopedee-mail

Poesia

Cidades brasileiras: Cataguases/MG, Fernando Montalvão

Site de Leila Míccolis

Coluna atualizada no Yubliss: Câmera lenta

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Blocos se solidariza com essa campanha

 

Hemorio lança campanha de doação de sangue para o Carnaval

O Secretário Estadual de Saúde, Sérgio Côrtes e a  musa do carnaval Luiza Brunet, lançam, nesta terça-feira, no Hemorio, a nona edição da campanha "Vista a Fantasia da Solidariedade", juntamente com integrantes da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro e outras personalidades do mundo do samba. A ação tem como objetivo manter a média de 300 doadores diariamente e alertar a população para os riscos da falta de sangue no período de Carnaval, época em que historicamente, há uma queda de pelo menos 50% no número de doações voluntárias.

Segundo a diretora geral do Hemorio, Clarisse Lobo, a campanha desse ano terá um tom diferente, mas não perderá nem um pouco do brilho.

"Assim como no ano passado, o momento é de união e solidariedade. Passamos recentemente por um momento difícil no Rio de Janeiro com o desabamento dos prédios no Centro e mais uma vez, constatamos a mobilização da população, que tem se mostrado cada vez mais solidária. Para a campanha de Carnaval, novamente vamos precisar da ajuda da população carioca para que os estoques de sangue estejam abastecidos para possíveis emergências", explicou a diretora.

Durante a campanha, o Hemorio vai realizar diversas ações com outras agremiações, até o Carnaval. No dia 15 de fevereiro, o instituto já prepara uma coleta móvel na Cinelândia, esperando repetir o sucesso de comparecimento de novos doadores.

"Acho muito importante essa conscientização da população. A campanha do Hemorio é mais uma oportunidade para que as pessoas exerçam a sua cidadania. A doação de sangue é uma forma muito simples de contribuição. Além disso, é gratificante, pois saímos com a sensação de um dever cumprido quando sabemos que com esse gesto, salvamos até três vidas", explicou Luiza Brunet, que se prepara para sua décima doação consecutiva.

Para ser um doador de sangue, o voluntário precisa estar bem de saúde, deve trazer um documento oficial de identidade com foto, ter entre 16 e 68 anos e pesar mais de 50 quilos. Não é necessário estar em jejum. O candidato deve somente evitar alimentos gordurosos nas 4 horas que antecedem a doação e as bebidas alcoólicas 12 horas antes. Jovens com 16 e 17 anos só podem doar com autorização dos pais ou responsáveis. O modelo da declaração pode ser adquirido através do site do Hemorio - www.hemorio.rj.gov.br

O Hemorio é o hemocentro coordenador do Estado do Rio de Janeiro, que abastece com sangue e derivados cerca de 180 unidades de saúde, entre elas, as grandes emergências, maternidades e UTI´s. No Rio de Janeiro, ainda há mais 26 postos de coleta de sangue coordenados tecnicamente pelo Hemorio como o Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel; Hospital da Posse, em Nova Iguaçú; Hospital Geral de Bonsucesso e o Instituto Nacional de Cardiologia, em Laranjeiras. Os endereços e horários de funcionamento dos postos podem ser obtidos através do Disque Sangue (0800 282 0708) que esclarece outras dúvidas e agenda a doação com hora marcada.

O Hemorio fica na Rua Frei Caneca, 08 - Centro, ao lado do Campo de Santana e funciona todos os dias (inclusive sábados, domingos e feriados), das 7 às 18 horas.

* Com informações da assessoria do Hemorio.

http://www.sidneyrezende.com/noticia/161384+hemorio+lanca+campanha+de+doacao+de+sangue+para+o+carnaval

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Domingo, dia de Blocos

 

Poesia

Temática Haverá paz?: Ilka Brunhilde Laurito

Prosa

Temática flores: Camilo Mota

Site de Leila Míccolis

Coluna atualizada no Yubliss: Câmera lenta

Imagem ilustra música mais famosa de Wando na web

 

Internautas resolveram homenagear o cantor Wando com uma imagem que ilustra a música mais famosa dele, "Fogo e Paixão", na web. O trecho do refrão representado com desenhos tem sido compartilhado em redes de relacionamento após o anúncio da morte do artista.

Wando morreu por volta das 8h desta quarta-feira após um infarto em Minas Gerais.

http://www.sidneyrezende.com/noticia/161526+imagem+ilustra+musica+mais+famosa+de+wando+na+web

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Tudo acontece muito rápido

Leila Míccolis tem publicado uns novos poemas com seu padrão (nem é preciso assinar, logo se sabe que é dela).

Alguns poetas (raros) são assim. Tem um “estilo”, ou seja descobrem o novo, reinventam o velho, recriam a arte. Criam a sua “assinatura”.

Quando a gente pensa que já tudo viu, eis que surgem eles/elas, os criadores.

Mesmo os instrumentistas. Um grande pianista, por exemplo, deixa a sua marca, a sua personalidade. Quem sabe ouvir logo logo descobre quem está tocando.

O mesmo o cantor.

Certa vez um amigo meu foi a uma gravadora no Rio e ouviu algumas pessoas conversando numa sala anexa: lá se podia distinguir o Fagner, falando tal como ele canta, com o mesmo timbre, com o mesmo acento inconfundível.

Mas o mundo dá muitas voltas.

A vida passa rápida.

Leila escreveu:

       Missão cOmprida

       Você conseguiu tudo na vida: 
       uma grande barriga bem alimentada
       uma amante infiel
       uma esposa comportada
       carro do ano
       filhos rebeldes ao teu jugo tirano
       casa própria, emprego com crachá
       um sítio em Visconde de Mauá
       um ufanista amor pelo país
       tudo  como manda o figurino
       (de Paris).
       E morrerá, cumprindo a sua parte,
       de tensão ou de enfarte,
       de repente,
       sem nem ao menos de longe perceber
       que podia ter sido diferente.

O seu poema – budista é claro, ou sei lá... – me lembra um refrão: “Há duas tragédias: uma é nunca conseguir o que se quer; outra, é consegui-lo”.

Seu poema toma a vida pelo avesso, vida da pequena ou pseudo-burguesia. Seu poema diz tudo.

Leila Míccolis ri.

E seu poema dá conta de sua missão. Cumprida.

Diz o que é viver.

Rogel Samuel

 

...........................................

Outras notícias poéticas

 

Nascimento de Mário Prata (Uberaba/MG)

Helena Ortiz

Clóvis Campêlo

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Brecht e Florbela

Nascimento de Bertold Brecht (1898, Alemanha )


    A TROCA DO PNEU
Estou sentado de costas para a vala.
O motorista troca o pneu.
Não amo o país de onde venho
Não amo o país para onde vou.
Por que olho a troca do pneu
Com impaciência?

Bertold Brecht

.....................



Poesia
Temática saudade: Florbela Espanca (Portugal)
Saudade
És a filha dileta da noss'alma
Da noss'alma de sonho e de tristeza
Andas de roxo sempre, sempre calma
Doce filha da gente portuguesa!
Em toda a terra do meu Portugal
Te sinto e vejo, toda suavidade
Como nas folhas tristes dum missal
Se sente Deus! E tu és Deus, saudade!…
Andas nos olhos negros, magoados
Das frescas raparigas, namorados
Conhecem-te também, meu doce ralo!
Também te trago n'alma dentro em mim,
E trazendo-te sempre, sempre assim,
É bem a pátria qu'rida que eu embalo!