domingo, 17 de janeiro de 2010

Entrevista da Dra. Zilda Arns, concedida ao jornalista Marcelo Igor de Souza




Zilda Arns


Jornal Brasil Central, Goiânia, Junho de 2009
Jornalista: Marcelo Igor de Souza

Ela voa longe

Zilda Arns é uma das mulheres mais respeitadas do Brasil. Ela criou e dirigiu a Pastoral da Criança, responsável em grande parte pela redução da mortalidade infantil no País. Nesta entrevista, ela fala um pouco de sua vida, da família, dos filhos, do trabalho na pastoral e da gratidão em ser médica há quase 50 anos, que serão completados no fim deste ano e que quase não foi sua profissão. “Eu quis fazer medicina e meu pai achava que eu tinha que ser professora, porque eu era catequista. Ele dizia que devia seguir a carreira que a maioria dos irmãos”.

Como foi sua vida na infância e adolescência?

Sou de uma família grande, de 13 irmãos. Sou a 12ª. Meu pai, Gabriel Arns, neto de alemães, e minha mãe, Helena Steiner, filha. Nós nascemos todos na área rural de Forquilhinha, Santa Catarina. Não havia luz elétrica e nem carro. Na cidade tínhamos uma excelente paróquia e uma excelente escola dirigida por freiras de origem alemã. Dos irmãos, nove são professores e desses, cinco são religiosos: Frei João Crisóstomo, meu irmão mais velho; Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo; e três irmãs religiosas: Maria Gabriela, Maria Helena e Ilda. Quando os mais velhos começaram a estudar, o papai construiu uma casa em Curitiba, porque Florianópolis não tinha universidade ainda. Fui para Curitiba com 11 anos. Na adolescência fui catequista por 7 anos.

Por que escolheu a medicina?

O sonho de ser pediatra eu já tinha desde os 15 anos, de curar as crianças de favela ou de ir para a Amazônia. Eu quis fazer medicina e meu pai achava que eu tinha que ser professora, porque era catequista. Meus irmãos conversaram com meu pai e ele mudou de ideia. Aí eu fiquei preocupada, pois escolhi ser médica e agora teria que aguentar. Fiz vestibular e passei em 37º lugar, o que ainda foi muito bom, pois estava com uma gripe miserável e naquele tempo a gente tinha que fazer também prova oral. Fiquei muito preocupada quando comecei a trabalhar com os corpos. Ficava pensando onde está a alma dessa gente. Ficava com medo e à noite encolhia os pés com medo que os fantasmas me pegassem pelo pé (risos).

E como surgiu o interesse pela prática de uma medicina voltada para o social?

Sempre valorizei a fraternidade, porque escolhi medicina para ser missionária. Eu não queria ser freira, mas missionária. Se me perguntavam por que não quis ser freira, dizia que não gostava de obedecer. Eu gostava de ter liberdade. Eu tinha que ser livre, até uma freira dizia assim: “Deixa a Zilda voar, que ela voa longe, não pode proibir isso ou aquilo”.

A senhora se casou e teve filhos. Pode nos falar um pouco de sua família?

Meu marido também veio de uma família bastante religiosa. Tivemos seis filhos: o mais velho, Marcelo, morreu de trauma de parto no 3º dia de vida. A criança passou por uma gestação saudável, mas o que aconteceu foi por erro médico. Era muito bonito o menino e nem coube no caixão de recém-nascido, de tão grande. Depois, tive três rapazes e duas meninas: Rubens, o mais velho é veterinário; Nelson é médico e tem dedicação exclusiva à Pastoral da Criança; Heloísa é psicóloga; Rogério é administrador de empresas; e a Sílvia, que faleceu de acidente há 5 anos, era administradora de empresas e morreu com 30 anos. Fiquei viúva muito cedo. Meu marido morreu com 46 anos, de acidente no mar. Daí fiquei com as crianças, que tinham de 14, o mais velho, a 4, a Sílvia. Eu vi como a solidariedade da família, da Igreja, ajuda numa situação dessas, com as crianças todas pequenas. Recebia visitas em casa, e isso me confortou muito e a vida foi se normalizando.

E como foi o caminho para a criação da Pastoral da Criança?

Passei num concurso público e trabalhei no mesmo hospital por seis anos. De lá, me chamaram para ajudar a organizar os postos de saúde na periferia. Muitos eram organizados em casas paroquiais ou de freiras. Atuei neste campo por 13 anos. Depois que morreu meu marido, fui então trabalhar no planejamento. Foi quando me escolheram para coordenar a vacinação Sabin, quando o próprio Albert Sabin veio a Curitiba e admirou muito o trabalho de organização que tinha feito. Depois daquilo, eles me promoveram a diretora de saúde materno- infantil do Paraná. Quando mudou o Governo, me colocaram de escanteio. Foi quando Dom Paulo me telefonou e disse que o diretor executivo do UNICEF afirmou que a Igreja Católica poderia salvar milhões de crianças no mundo, principalmente ensinando o soro caseiro às mães. Ele pediu que eu pensasse nisso. E pensei: “Deus me preservou para eu fazer uma grande missão. Agora vou me dedicar com toda a minha força e com todos os meus talentos a reduzir a mortalidade infantil através de um trabalho de Igreja, de educar as famílias para aprenderem a cuidar dos filhos”. Aí começou a pastoral.

A pastoral foi uma missão que a senhora assumiu e hoje o Brasil inteiro diz que valeu a pena. Como a senhora se sente?

Eu sempre agradeço a Deus de joelhos. A Pastoral da Criança não é uma ação humana. Eu muitas vezes senti a mão de Deus à frente. Havia muita resistência no início, até mesmo da própria Igreja. Era fim de ditadura no Brasil. Alguns diziam que isso deveria ser cobrado do Governo e não oferecido pela Igreja, outros questionavam dizendo que deveria evangelizar e não pesar crianças. Eu unia fé com vida, evangelizava e cuidava. Não briguei com ninguém, minha atitude era de compreensão, porque se vivia um tempo de transição.

Como a senhora leva a vida aos 74 anos e com tanto serviço?

Levo um susto quando penso que daqui a 5 anos e meio estou com 80 anos. Quando morreu minha filha, fiquei com a tutela do meu neto, Danilo. Construí uma casa na chácara e convidei minha filha Heloísa com os filhos dela para virem morar comigo. E tenho mais dois filhos que moram lá comigo. Tenho necessidade de ficar só, muitas vezes. Levanto às 5h30, tomo café na varanda da casa, escutando passarinhos, bem tranquila com a natureza, louvando a Deus por tantas graças. É um momento para mim de encontro com Deus todas as manhãs.

Quais são seus planos para o futuro?

Que a Pastoral da Criança beneficie o máximo de pessoas, com esse espírito de fé e vida. Com a Pastoral Internacional da Criança, a coisa está apertando, porque exige minha presença e as viagens são longas e estou indo a outros países. E chegando em casa tem muitos serviços ainda aqui. Mas enquanto der, vou fazendo. Gostaria também de escrever um livro. Já tenho um livro meu, que escrevi rapidamente,um tempo atrás, mas quero um livro sobre a minha experiência de vida, nas pastorais, porque acho que pode servir de apoio para outros, mas está difícil, porque sou igual poeta, só escrevo quando estou inspirada, quando estou cansada, não tenho vontade de escrever (risos).


Nossos agradecimentos ao Marcelo Igor que nos deixou disponibilizar essa linda entrevista com a Dra. Zilda Arns. Blocos agredece comovido!

Um comentário:

Paulo Laurindo disse...

Salve, salve Dona Zilda, a madrinha do Brasil.