Fabbio Cortez, autor do livro digital, "Cada dor que anda na rua"
LM - Em "Cada dor que anda na rua" você optou por poemas minimalistas porque você está enveredando atualmente mais por esta tendência ou para adequá-los à leitura mais ágil na Internet?
FC - Os dois motivos. Sempre admiro o texto breve que demonstra sua força interna ao ser provocado pela mente de quem o lê; o significado se amplificando, como os círculos crescentes que se formam em água tranquila quando jogamos nela uma pedra. Daí minha tentativa em também procurar este caminho. É difícil encontrar a medida correta - e decerto não consiga alcançar todas as cabeças que desejaria -, mas a Poesia atualmente tem me constrangido a captar mais desses pequenos sinais de expansão.
O livro foi pensado diretamente para a Web. Queria não ser enfadonho, e que o leitor olhasse cada poema como observa uma fotografia: se gostar, demora mais um pouco nos detalhes; se não gostar ou não entender, sempre fica uma imagem nos recônditos da mente.
LM - Quando você começou a escrever e como foi esta sua trajetória?
FC - Olhe, desde meus dez anos mais ou menos, como lia bastante e escrevia com certo diferencial em relação a meus colegas da escola pública, já ganhava algumas congratulações dos professores de Língua Portuguesa, do tipo: “Parabéns pela redação, Fabbio, você pode ser escritor...” Aí eu, ingênuo, acreditei (risos).
Em 1986, aos 16 anos, entrei para a Escola de Especialistas de Aeronáutica, em Guaratinguetá, São Paulo. Nas aulas de redação da primeira série do curso me realizava, bati recordes de nota, tirei 10 a dar com pau. A professora viajava nas minhas prosas meio poéticas. Então me convenci: “É, acho que meu negócio pode ser com as Letras mesmo...”
Em 1988, já militar efetivo, tendo por classificação a oportunidade de escolher voltar ao Rio, comecei a servir no Parque de Material Aeronáutico dos Afonsos, pertíssimo de casa. Em 1991, iniciei a faculdade de Letras da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques, também próximo de casa, pois havia resolvido não fazer nada longe, haja vista os dois anos no semi-internato no interior paulista.
No Souza Marques fui aluno de Linguística do à época já consagradíssimo e hoje imortal da ABL Evanildo Bechara. As aulas dele abriram minha mente, assim como foram marcantes as de Português e de Literatura, respectivamente ministradas pelas mestras Zali e Osana, pessoas inesquecíveis e importantes para minha resolução em persistir nas leituras e na criação.
Mas chegando perto do final do ano seguinte tranquei matrícula, por “motivos musicais”, como costumo dizer – compus, fui um dos vocalistas de um grupo meio doido que atacava de Led Zeppelin a Cazuza. Mas, ainda que o som tivesse qualidade, não foi à frente. Eu queria profissionalismo, mas a rapaziada estava ali só por hobby.
Nesse meio tempo me converti ao protestantismo, e li muito também, só que as dezenas de livros de uma biblioteca especial: a Bíblia. Até que a Poesia Maior – que é como chamo Deus YHWH – me mostrou que seu poder e Salvação em Cristo não tinha muito a ver com as religiões institucionalizadas. Bem, isso é história extensa, complexa, e não vem ao caso aqui... é só pra dizer do tempo em que fiquei parado com as criações literárias.
Retornei então ao curso de Letras somente em 1997 (e lá conheci Valéria, minha esposa e mãe de meus filhos), formando-me em 1999. Desde esse tempo trabalho, entre outras funções, como revisor de Normas na Assessoria de Gestão da Qualidade da mesma Unidade Militar carioca citada.
Ainda que devagar, vinha escrevendo sempre, em casa, quando chegava do trabalho. Mas somente em 2005 comecei a compilar meus textos, registrá-los, tratá-los profissionalmente. Então conheci Blocos e, a partir dessa época, o barco foi à frente. Filiei-me, motivado pelo poeta Sérgio Gerônimo, à Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro - APPERJ, e comecei a propagar alguns de meus escritos, com a ajuda imprescindível de Valéria.
LM - Você podia nos falar um pouco sobre sua proposta estética e como você situa sua poesia hoje?
FC - Como não sou chamado às formas fixas – embora obviamente respeite quem trabalhe com métrica, padrões, essas coisas –, busco mais a oscilação de humor, digamos assim, a que as palavras – pessoas como nós – estão sujeitas. Não tenho uma proposta estética pensada ou tendência fechada. Procuro ouvir os problemas e alegrias das palavras, juntá-las a fim de que se conheçam entre si, e, como numa festa que organizamos e em que apresentamos uns amigos a outros, ficar observando o movimento. Dali podem surgir antipatias, rixas inexoráveis, mas também amizades eternas, até casamentos.
Quanto a “minha poesia”, vai parecer clichê, mas é assim mesmo que entendo: a Poesia derrama seus intuitos e eu, pobre antena, capto alguns deles – ou partes deles – e os vou arranjando como se fossem de fato de minha “propriedade intelectual”: “(...) o que a vida me-dita às vezes / canto às vezes”. Porém, para simplificar a maluquice, chamo os tais versos de meus e pronto. No mais, tento, ao escrevê-los, humildemente acrescentar algo de positivo a quem os lê.
LM - Uma de suas características poéticas mais marcantes é a ironia: ela é uma espécie de arma ou um modo de suavizar o choque causado pelas palavras?
FC - Gosto de viajar sobre conotações múltiplas. Isso não é novo, mas encanta-me o multifacetar que algumas palavras juntas podem desencadear auxiliadas pela Poesia. E como sou preocupado com assuntos sérios, porém um tanto quanto também brincalhão, aí o teor de alguns trabalhos acabam vindo naturalmente construídos entre a gravidade e a ironia. Respondendo mais diretamente à pergunta, uso isso ora como arma – pois que o penso às vezes necessário –, ora para dar uma amortecida no estrago. Cada leitor escolherá o que mais lhe aprouver, de acordo com seu momento, tal qual fazemos, de acordo com a fome, num restaurante self-service.
LM - O que é poesia para você?
FC - Poesia é tudo que não se aguenta em si, e que precisa transbordar para algum lugar mais amplo. Convencionou-se chamar essa força intrínseca do todo incomensurável de "poema" apenas se vem em forma de versos. Mas pode vir às vezes num ímpeto do amar, outras vezes num orgasmo, outras num filho, e isso nem ser escrito. Penso por esse motivo alguns de meus trabalhos não serem muito próprios à recitação, por terem o anseio de cavar as ideias e emoções de cada leitor. Além disso, poesia não é só originada de prazeres ou belezas ou sentimentos nobres; há momentos em que ela vem brava, trucidando, feia, arrasante – poesia pode ser vida e morte.
LM - Quais os poetas de sua preferência?
FC - Há tantos admiráveis... À mente agora me vem o gigante Neruda, pois, mesmo quem nada compreenda de sua poesia, tem de reconhecer que as palavras estão sob seu poder como as notas musicais estão para Chopin, ou para Bach: são artistas que não erram e conseguem esgotar todas as possibilidades da arte que lhes cai nas mãos; como o polaco-francês e o alemão, o chileno é uma afronta aos meros mortais. Há Pessoa, que, por seu notório leque de inteligências, deveria ser chamado de “Pessoas” (alguém já deve ter disso isso...) Aí me vem Poe e suas iluminadoras escuridões. Entre outras pujanças incontestáveis.
Entre os nossos, citaria o fazendeiro dos versos, Manuel de Barros. Dona Adélia Prado... Vinicius, inveterado amante do amor. Fabrício Carpinejar, que abusa do direito de pensar – o filho de Carlos (Nejar) e Maria (Carpi) é uma máquina de reflexão. Admiro muito também a lucidez e a inteligência fina de Tanussi Cardoso. E por aí vai. É do turbilhão de sensibilidades que a gente filtra nossa preferência.
LM - Fale um pouco sobre a emoção de ser publicado através de um livro digital: é diferente de um livro impresso?
FC - Ah! é muito interessante. O futuro já passou, puseram-nos de supetão num pós-futuro irremediável. Tem de acompanhar, ao menos um pouco: livro de papel é muito bacana, mas o poeta tem de ter muita estrela, senão fica enfurnado, mofando. Digital não, é do mundo, está no ar, vai mais longe. Mormente quando publicado num portal de literatura como Blocos, o maior da América Latina, lido em mais de 140 países.
LM - Como você se sentiu acompanhando todo o processo da produção do seu livro, passo a passo?
LM - Como você se sentiu acompanhando todo o processo da produção do seu livro, passo a passo?
Foi ao mesmo tempo divertido e seriíssimo, como sempre tem sido tudo o que envolve a potência Blocos, onde há profissionalismo mas também muita alma.
LM - Algum comentário que você queira citar a respeito dele?
Que esta produção tem, em cada detalhe – em suas rimas às vezes simplificadas, em sua linguagem popular e em sua leitura superveloz -, a intenção de sinalizar, como está escrito em meu site, o eu-poético mais vitimado pela (des)modernidade, promovendo alguma meditação sobre o que afinal de contas não deveríamos, como bons seres humanos civilizados, nos tornar: ‘perVersos urbanos'".
LM - Você está satisfeito com o tratamento dispensado pela Blocos à sua obra?
FC - A Editora Blocos faz de qualquer autor interessado em qualidade, seriedade e respeito um privilegiado. Agradeço muito a oportunidade de me ver publicado por este grupo tão importante para a literatura contemporânea.
Entrevista do autor concedida à Leila Míccolis
13 comentários:
Excelente entrevista essa de Fábbio Cortez. Cara Leila, com suas perguntas, você revelou alma e conhecimento de um grande artista. Fiquei fã. Vou ler o livro com muito prazer. Desejo enorme sucesso!
Poeta contemporâneo de alta qualidade!
Franco
Ler “Cada Dor que Anda na Rua - perVersos Urbanos”, de Fabbio Cortez, é como estar de fato no meio das ruas e sentir a dor de cada um. O olhar atento do poeta captura não só as dores do mundo – revela, de forma irônica, o quanto os homens estão cada vez mais egoístas e egocêntricos. Há versos fantásticos que mostram quem é o homem Fabbio, doce e frágil:
“...sou um perturbado
diante da visão do novo imundo” (em “pERTURBADO”)
“cada homem é uma coleção de homens.
uma multidão solitária...” (em “uM HOMEM SÓ”)
Márcia
A importância da criação de obras que nos reportam a aspectos daquilo que considero como uma “filosofia urbana” presente em “Cada dor que anda na rua” é gerar um momento de introspecção, induzir o leitor a refletir sobre problemas, que apesar de notória publicidade, são relegados ao descaso. Pensar sobre as palavras de “um homem só”, “sinal” ou “controle remoto” é pensar sobre nossa vida, nossa cidadania (na condição de participantes) é pensar na síndrome das metrópoles. É também na dor da rua que devemos evoluir sempre.
Roberto, Bacharéu em Direito, Mestre em Cidadania e Professor de Hermenêutica e Teoria do Estado.
Essa obra de Fabbio Cortez parece ter sido construída com a matéria da alma, a fim de refletirmos sobre nós mesmos: como cidadãos, como pensadores livres, como seres humanos. Sen-sa-ci-o-nal!
J. Britto – advogado
É bom termos, nos dias de hoje, uma referência que nos alerte para ver com olhos mais críticos as mazelas inexoráveis que a pseudodemocracia e a mídia desumana desencadeiam no nosso cotidiano. Excelente obra de Fabbio Cortez. Espero vê-la publicada em papel.
Roberto Menezes de Oliveira - MSc Citizenship / Prof. de Filosofia
É complicado entender a dor que anda, que vaga, que existe. Se faz necessário passear pela estrada da alma, do coração, da experiência, da partida, da empatia pelo que aparece sem convite. Estamos diante de uma obra que nos faz pensar, com a rua da vida, com a rua da alma perdida que quer de qualquer jeito um endereço novo.
Cortez é mestre em endereçar sem colocar placas, sinais e luzes, àquilo que escondemos de nós mesmos.
Carlos Asicq
Ler a literatura do Fabbio Cortez é como ver um quadro do Pollock - uma série de detalhes brutos que cada um merece uma atenção fixa.
Fixação nos pequenos detalhes e nas pictografias que ele escreve.
Usando um pouco da figura de linguagem dele, parece que ele escreve fotografias, que rabisca imagens. Um minimalismo incrivelmente forte.
Paulo - professor, músico e poliglota certificado por Cambridge , Michigan e Cervantes.
Fabbio, não foi surpresa "beber" seu
"Cada dor que anda na rua".
Foi como tomar um néctar dos deuses!
Prezado escritor Fabbio Cortez,
Uma amiga minha indicou seu trabalho dizendo assim: "menina, você que gosta de literatura inteligente, veja só o que esse cara escreve..." e aí me falou de um de seus livros: PerVERSOS URBANOS, que li e reli na web. Virei sua fã, e comprei o seu "Saudade à queima-roupa", que, além de conter uma perspicácia literária enorme em seus contos rápidos, nos leva a uma profundidade psicológica sem igual. Parabéns mesmo.Olha, um dia o Brasil vai saber de sua intelig~encia e visão do mundo.
Maria Vargas - Porto Alegre/RS
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Fabbio Cortez, és um escritor genial. Devorei também seu Saudade à queima-roupa: levíssimo de ler, li em dois dias/ mas ao mesmo tempo denso,intrigante e realista.
Prof. Antônio Santos
Nobre poeta Fabbio Cortez,
Nós aqui da Ilha adoramos seu trabalho – você sempre faz a gente pensar na vida, meditar sobre ela, levá-la a sério. Mas ao mesmo tempo vc nos ensina a vivê-la sem medos desnecessários, caminhando rumo a nossos sonhos.
Agradecemos muito tb seu empenho nas aulas de redação via web. Muito show, aprendemos demais com vc.
Um abraço enorme de seus fãs:
Renata, Sandro, Melissa, Carla Santos, Carla Moretson, Joyce, Bruno, Jade, Antônia e Marcelo.
(Lemos juntos seu livro "perVersos Urbanos")
BRAVO!
Josiel Dias – Santos/SP
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