sábado, 21 de abril de 2012

Tiradentes, Brasília – sacrifício e vida

 

 

 Dia de Tiradentes, Eduardo Carneiro: "De conjurado a patrono"

 

Tiradentes: de conjurado a patrono

“O sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas
colocadas em jogo no processo em que os textos são produzidos”.

“A escrita em História em nada se diferencia do gênero literário”. Essa afirmação partiu do famoso historiador inglês Peter Burke. Será que a fronteira entre a história e a ficção é tão difícil de se estabelecer? O certo é que os fatos históricos são representados em textos em nada neutros e imparciais. O historiador faz uso de sua visão de mundo para interpretar os fatos e documentos e escreve sob a influência do tempo presente. As histórias que nos ensinaram como verdades são, na verdade, “sentidos” construídos historicamente e permeados pela relação de poder.

As histórias são escritas de acordo com as conveniências, mudam de enfoque dependendo de cada escritor, de cada região, de cada tempo. Na historiografia, um mesmo evento ou personagem podem obter “sentidos” que chegam a ser antagônicos. Não podemos estabelecer verdades ou protocolos de leituras em História. O passado é inalterado, no entanto, o conhecimento desse passado é algo em construção, como diria o historiador Marc Bloch. Portanto, a naturalidade dos sentidos é ideologicamente formada e politicamente perpetuada. Se um fato é conhecido com um significado determinado é por que houve um processo que o fixou, “alguém” institucionalizou-o, por motivos, quase sempre, de dominação.

A permanência ou a substituição dos sentidos oficiais de um fenômeno social são regulados, quase sempre, por “escribas” sintonizados com o projeto político de um grupo social que está no poder. Vejamos o que fizeram da história de um dos mais conhecidos personagens de nossa história, Joaquim Xavier, o Tiradentes, representado numa dada época como um “ser de infames práticas” – como consta em sua peça inquisitória – e, anos depois, imortalizado como Patrono Cívico da nação brasileira.

Mais de cem anos depois da morte de Tiradentes, o dia de seu enforcamento, 21 de abril, é considerado pela República Velha, como feriado nacional. Por que houve a necessidade de mudanças na significação do fato social? O poder simbólico da linguagem não pára por aqui, na negra fase da ditadura militar, Tiradentes é consagrado patrono das polícias militares e no dia 21 de abril passou-se a comemorar o dia das polícias.

No dia 21 de abril, de acordo com os livros tradicionais de História, comemoramos a bravura dos movimentos libertários, precursores de nossa Independência e Proclamação da República. Percebemos que a morte de um “ser de infames práticas”, passou por um processo de significação ideologicamente motivada. Tiradentes não foi consagrado herói nacional e patrono das polícias militares por acaso. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, diria Hamlet.

Para compreendermos o que houve de “podre nesse reino”, precisamos lembrar do cenário político brasileiro no início do século vinte. Recordemos da disputa que havia entre civis e militares pela hegemonia na Velha República. A “política dos governadores”, iniciada pelo então presidente Campos Sales em 1898, impôs sérios prejuízos aos interesses militares. O Exército foi quem mais buscou mudar essa situação desfavorável com os civis.

Benjamin Constant, positivista, professor da Escola Militar, propôs uma reforma no ensino das academias, consagrando a figura do soldado-político, a quem reservaria a missão civilizadora dos brasileiros. Mais tarde, o sucesso da campanha a favor do serviço militar obrigatório criou um ambiente favorável aos militares diante da população. A intenção era colocar o quartel como instituição responsável pela fomentação do patriotismo e do civismo dos brasileiros.O escoteirismo foi mais uma das formas de introduzir, desde a infância, uma tendência militar aos futuros adultos. Várias tradições foram criadas para ressaltar os feitos heróicos e patrióticos dos homens de farda em defesa dos valores republicanos e da unidade nacional. Os militares tudo fizeram para criar condições mínimas de legitimá-los ao poder. A morte de Tiradentes seria mais um fato usado nessa causa.

A figura de Tiradentes foi resgatada pelos militares no início do século passado e revigorado após o golpe de 64 pelos militares. A “construção” de Xavier como símbolo nacional não foi ocasional; por pertencer à companhia dos Dragões Mineiros no posto de alferes (subtenente), sua insígnia militar foi utilizada para mostrar aos civis que os homens fardados foram os precursores da Independência. E que foram, desde o início, defensores dos ideais republicanos e dos oprimidos. Queriam provar às polícias estaduais ligadas aos latifundiários que, a exemplo desse alferes, deveriam largar o regionalismo e apoiar um projeto de nação.

Joaquim Xavier, como militar, trabalhava em Vila Rica, no Regimento de Cavalaria, na função de manter a ordem pública nas regiões das minas. Os oficiais militares preteriram a ascensão hierárquica de Tiradentes por quatro vezes, promovendo em seu lugar, os “apadrinhados”. Em conseqüência disso, passa quase 14 anos na mesma graduação. Segundo Kenneth Maxell, autor do livro “A Devassa da Devassa”, a corrupção nas instituições militares foi um dos fatores que incentivaram o alferes a incorporar-se ao grupo dos inconfidentes. Posteriormente, foi denunciado por um coronel da Cavalaria, Joaquim Silvério, de fazer parte da liderança da Conjuração Mineira. Preso por seus “colegas” de farda a mando do governador da Capitania de Minas Gerais, o visconde de Barbacena, o militar é julgado e condenado à forca. Com tantas decepções com a profissão, será que se orgulharia de ter sido considerado patrono de uma instituição militar?

Tiradentes morreu sem vencer sua miséria, morreu decepcionado com a corrupção fardada, morreu sonhando com um Brasil mais justo e igualitário. Caso estivesse vivo, não estaria de braços cruzados, estaria sendo um agente multiplicador do descontentamento contra a gritante desigualdade social do Brasil. Não seria patrono de um país mergulhado no mar da corrupção, muito menos de qualquer órgão militar. Faria parte de outra conjuração, certamente junto com a senadora Heloísa e com o deputado Babá e tantos outros. Tornar-se-ia novamente um inconfidente e incitaria o povo a buscar mudanças realmente radicais em nosso país. Certamente seu fim não seria tão diferente do ocorrido em 1792, o senador Geraldinho que o diga!

Eduardo Carneiro

Texto publicado em Jornal O Rio Branco, 21/04/2005 e transcrito no site: http://www.ufac.br/imprensa/2005/abril/artigo2040.html

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