sábado, 12 de maio de 2012

Sapatos vermelhos





Bem que eu sabia que aquela história acabaria mal. Não deu outra.
Ah! Meu sapatinho tão lindo, bico fino, verniz novinho...
Não sou egoísta, juro, porém, desagrada-me emprestar sapatos.
Julgo-os mais pessoais do que as próprias calcinhas.
E também gosto de sapatos impecáveis, que não indiciem uso frequente.
No entanto, naquele fim de tarde, Beatriz – olhos pidões – precisava de uns sapatos vermelhos...
Sem eles não se sentiria segura para bem impressionar um amigo que conheceria naquela noite.
– Como? Chama de amigo alguém que nem conhece?
– Conheço-o pela Internet, ainda não nos vimos pessoalmente.
Fiz um bico de desolação, que desmanchei imediatamente antes que ela o notasse.
– Que roupa usará? – perguntei ainda na esperança de fazê-la desistir do vermelho.
– Ora, vou com a saia preta, blusa vermelha. Bolsa, tenho boa.
– Será que meu sapato servirá? Olhe, creio mesmo que lhe fique pequeno...
– Dou um jeito, amiga! Se ficar apertado, não me fará mal, vou ficar sentada.
Ai, meu Santo Antoninho! Não fará mal para ela, mas para o sapato... e eu que ainda nem o usara!
Antes que me esqueça, detesto que me chamem de amiga, nada me soa mais falso que o termo, em situações assim... de interesse unilateral.

Com dor no coração, fui ao armário e desloquei a caixa que continha o “xodó rubi”. Tratava -o assim porque só eu sabia o quanto me custara...valor que não revelaria a ninguém, ou me teriam como maluca. Sem contar o preço das passagens para Milão e as demais despesas da viagem (risinho nervoso).
Cuidadosamente, levantei a tampa e com a ponta dos dedos elevei o sapato até quase o nariz da moça.
Ele fez cara de espanto. Disse-me que nunca vira um par tão lindo quanto aquele.
Nem eu! – respondi com amargura.
Se por um lado achei bom ajudá-la, por outro, uma ruga de preocupação desenhou-se entre minhas sobrancelhas quando a vi sobre os saltos.
– Devolvo-lhe ainda hoje, na volta – disse ela, admirando-os. Deixo os meus aqui e depois passo para a troca, a menos que eu volte muito tarde... Nunca se sabe.
– Não, não, pode passar seja lá a hora que for. Estarei acordada, apanhei vários filmes. Quero vê-los todos, hoje.
– Veja lá, heim... detesto incomodar – disse, ao sair, como se já não tivesse incomodado o suficiente-.
E lá se foi e eu fiquei ouvindo: toque... terreque... toque... terreque...
A cada “terreque” sabia que os sapatos sofriam a inabilidade da moça para com a elegância; percebia que penavam com sua pouca desenvoltura em andar sobre saltos tão altos.
Entrei em casa para não me ocupar com o barulho que mesmo abafado persistia.
Tentei concentrar-me no filme.
O telefone tocou. Era Cecilinha, que com voz cantante, animada, convidava-me para a comemoração de seus quarenta anos. Uau! Programão!
Cecilinha era aquela com um quê de gente chique. Simpática, agradável, divertida. Delícia de presença e companhia. Decerto a festa seria um sucesso.
– Claro que irei, não a perderia por nada.
Enquanto lhe dava meu endereço para o tão bem-vindo convite, eufórica, já ia pensando no que usar, no que calçar... no que calçar... Ai!... O sapato. Todos os santos! Todos os deuses...
Desligado o telefone, do filme, não li mais frase nenhuma. Meus pensamentos apenas tinham uma direção.Olhei cinqüenta vezes para o relógio, que em meu pulso parecia parado.
Fiquei apavorada. Beatriz demorava. Quase meia-noite e quanto mais ficasse fora, mais riscos correriam meus sapatinhos.
Pensei, trêmula: "a moça deve pesar uns noventa quilos... Não, ela disse que emagreceu dois. Será que o sapato aguentará? É de boa qualidade, mas não sei se fora projetado para exagerados esforços, afinal, tão delicado..."
E, assim, com tais dados, preocupada, comecei a andar pela casa, abrindo e fechando portas e janelas. Foi aí que quase pulei de aflição:
Terreque... (Silêncio...). Terreque... (Silêncio...). Faltava o toque. Meu coração saltou.
Beatriz bateu de leve. Corri para abrir a porta. Minha percepção e intuição não me enganaram.
Lá estava ela. Calçava apenas um pé do sapato, que tinha o bico todo raladinho. O outro, sem o salto, trazia na mão esquerda...

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Quem, eu? Ir à festa da Cecilinha?
Nem pensar, Deus me livre!...
Maria da Graça Almeida

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa tarde!
Que sapato lindo...! Qual a marca? Onde acho um desse?

Obrigada e realmente eu amei e quero um igual!
Fábia.