Nunca conheci ninguém com uma espiritualidade tão elevada. Svoboda me ensinou a preencher o oco do mundo, mas eu não consegui (ainda). Quantas e quantas tardes de sábado passamos juntos, ouvindo a Liturgia de Jaroff, quantos mussakades ela fez para mim, e quantas histórias. Desde a praça na Bélgica com o nome de seu pai até suas conquistas e prêmios no ramo da dramaturgia e da literatura... Foi ferrenha comunista, por intuitivo amor cristão. Pouco mais tarde, sua acurácia estética levou-a a aprender a servir-se da fé ortodoxa e da porta eclesiástica para atingir o sustento de sua enorme alma. Foi presa e torturada pelos mesmos que antes defendera. Sua atuação política e social, no entanto, começou na resist?ncia aos nazistas. Ela se definia como uma combatente contra o totalitarismo, e sempre que algo dava errado para mim ou para ela mesma, ela me dizia: "nós que combatemos o fascismo podemos também com isso".
Charme perigoso de Svoboda Batchvarova
Este livro de 160 páginas é um romance satírico, baseado em uma histórica criminal verídica inserida na realidade socialista de seu país. O protagonista é um contador de meia idade, que tem um grande coração e uma projeto artístico, um entusiasmo romântico pela liberdade absoluta (idealismo que o fez nunca se casar) e pelas aventuras inusitadas. Os limites de seu cotidiano miserável e medíocre de pequeno homem reduz-lhe a existência ao ir e vir para o trabalho.
Então, sobrevém o momento da plena revolta. Ele foge. Deixa tudo e começa a errar pelo país, toma aparências e ocupações diferentes. Torna-se “arquiteto”, “bancário”, “capitão de polícia”... Em cada lugar em que pára, encontra moças solitárias em idade mais que madura e com uma boa soma no cofre. Invariavelmente, seu “amor” durava até o casamento, e , nesse instante sublime, desaparecia com a boa soma do cofre nos bolsos. Com o dinheiro de que ele dispõe, o herói vai aos melhores bares, cabarés e restaurantes da Capital para se distrair, mostrando um total desprezo pelo dinheiro e uma generosidade espantosa com seus companheiros, entre os quais os garçons e cozinheiros.
Por fim, as garras da polícia recaem sobre seu amigo, o capitão X. Este seu companheiro é detido, julgado e preso ao proferir, diante da polícia, um discurso sobre a liberdade individual (até mesmo para se ir preso).
Em decorrência desse monólogo, e naturalmente por causa da corrupção penetrante de todos os níveis da sociedade que a autora descreve, não foi permitida a publicação deste romance.
Já na era da Perestroïka, o livro foi, enfim, editado (73000 exemplares, a primeira edição). Obteve um grande sucesso. A comédia que a TV búlgara produziu baseada no romance também atingiu um enorme sucesso. O filme recebeu muitos prêmios na Bulgária, e, depois, ganhou “o prêmio da crítica” no Festival de telefilmes da Itália, e, finalmente, o prêmio do Festival do cinema cômico na França.
Henrique Cairus
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(***) "Com 87 anos morreu no Brasil (em 28 de junho de 2012) a grande escritora e cenógrafa Svoboda Bachvarova. Ela passou os últimos 20 anos de sua vida na família de sua filha casada na América Latina. Vida Svoboda Bachvarova lembrar dos tópicos abordados em muitas destas obras - a combinação da realidade dura e romance. Ela é filha do conhecido antifascista Todor Angelov. Sua infância está ligada às vicissitudes e privações a que a família do ativista se depara na Bulgária e em muitos países da Europa Ocidental. Todor Angelov participa da Guerra Civil espanhola e morre em 1943 como um dos líderes da Resistência belga. Sua filha é a testemunha da perseguição pelo regime pró-nazista na Bulgária durante a Segunda Guerra Mundial e repressão do poder pró-soviético depois de 1944". Este texto é trecho traduzido de: http://bnr.bg/sites/fr/Culture/Pages/280612_svoboda.aspx
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