segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

UM POETA SE FOI, A LUZ APAGA

 

A morte de Lêdo Ivo me abala. Tantos textos em tantos anos que li, estava acostumado com a sua existência. Durante a vida temos companheiros de leituras prediletas.

Ele era para mim um daqueles poetas que o Brasil dispunha dignos de um Prêmio Nobel. Foi especialmente para mim que ao longo da vida o imitei. Na sua VÃ FEITIÇARIA eu sinto que para tê-la temos de inventá-la, a vida, a flor, o amor. É só no invento, na magia que a felicidade se nos vem com sua bênção, com o seu orvalho, a sua aurora. Se não soubermos inventar, a alegria seca, a flor não medra, o mundo é vão. Só a flor inventada, e por isso inexistente, pode ser autêntica testemunha da nossa ressurreição diária, da respiração da nossa aventura.  Porque todo amor é Narciso solitário à beira de seu lago em busca de si mesmo. Porque sem amor o mundo acaba, mesmo vivo, num sarcófago. Temos de ter o espelho mágico do viver, do ver, do encontrar, do imaginar, e de lá, de dentro do espelho, revelar a flor que nos constrói. É no espelho, é só no espelho, que a vida vive e é ali reinventada, e é de lá que ela sai de seu sarcófago para florir a sua floração e acender as suas luzes. Ai, amor, quão tênue é seu existir, quão vago o seu abraço inexistente! Mundo espelhar, mundo invertido num espelho, mundo vão, ilusório, fictício, fátuo. É desse galpão escuro do segredo que tiramos os sortilégios das palavras, das navalhas, das pratas, das asas do viver. Vivemos por um triz, no fio dessas lâminas aladas, equilibrando-nos no existir de tais teias de aranhas inexistentes. A vida eu a tenho de inventar com as palavras, com meus tristes dragões vencidos pela minha mágica. Se não os inventar, tudo vai sumir num instante, de súbito. Porque sou pó, sou pó mortal, sujeito à injúria do nada, tenho de colher essas flores fictícias e cobrir-me dessas rosas falsas, de coroar-me de flores invisíveis, flores eternas, flor só encontrável nessa flora efêmera, sonho de sonho que é como a vida se escoa em vãs lembranças, e onde a minha rosa eterna morre porque é eterna, morre porque o mundo morre, morre porque o mundo é vão.

 

A VÃ FEITIÇARIA

 

Lêdo Ivo

 

Invento a flor e, mais que a flor, o orvalho
que a torna testemunha desta aurora.
Invento o espelho e, mais que o espelho, o amor
onde eu me vejo, vivo, num sarcófago.
E a vida, este galpão de sortilégios,
deixa que eu a invente com palavras
que são dragões vencidos pela mágica.
E não me espanta que eu, sendo mortal,
sujeito à injúria de tornar-me em pó,
crie uma rosa eterna como as rosas
inexistentes nesta flora efêmera.
Sonho de um sonho, a vida, ao vento, escoa-se
em vãs lembranças. Minha rosa morre
por ser eterna, sendo o mundo vão.

Rogel Samuel

Um comentário:

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

era insuperável a poética pós-moderna com traços de simbolismo-parnasianismo