Hoje é dia de quê? Creio que Dia de Nada. Ou Dia de Tudo.
Sei lá! Agora inventaram Dia em homenagem a qualquer coisa. Quarta-feira
passada, 20 de julho, foi Dia do Amigo. Teve o Dia das Mulheres em oito de
março. Dia das Mães, no segundo domingo de maio e o dos Pais será comemorado no
segundo domingo de agosto. Dia dos Namorados foi em 12 de junho e Dia das
Crianças será em 12 de outubro. Treze de maio é Dia dos Negros, data da
abolição da escravatura no Brasil, assinatura da Lei Áurea. Em 11 de fevereiro
comemora-se (?!), homenageia-se (?!) os Enfermos. Já aos Índios coube a data,
instituída pelos caras-pálidas, de 19 de abril. Três de dezembro é o Dia
Internacional dos Deficientes Físicos.
Sete de setembro, claro, o Dia da Pátria, data em que Pedro
I - dizem, tenho cá minhas dúvidas - teria bradado, espada em riste, sobre um
cavalo branco: "Independência ou Morte!" às margens plácidas do
Ipiranga. Pela história de vida do digníssimo Imperador, não me parece muito
provável tamanha façanha. Por via das
dúvidas, taí 1° de abril, Dia da Mentira e também da Redentora, a tal revolução
de 1964 que, como a viúva Porcina da novela, foi sem nunca ter sido. Para fugir
do estigma do dia, os fardados tiveram a brilhante idéia de antecipar a data
oficial para a véspera. Além de dar um nome mais respeitável à dita cuja: foi
registrada não como golpe militar, mas Revolução. Coitado do 31 de março.
Sobrou para ele.
Cá entre nós, a verdade é que todos os dias – como bem disse
BenJor - são dias de Índios, Amigos, Mães, Pais, Crianças, Negros, Mulheres,
Deficientes Físicos, Namorados. Enfim... Mania de inventar dia para tudo. Como
se nosso afeto, amor e respeito ficassem reduzidos a um único período de 24
horas. Passada a data, é só guardar afeto, amor e respeito, cuidadosamente
envoltos em celofane (para não amarelar) e acompanhados de naftalina (para
afugentar traças, cupins, baratas), e retirá-los do baú 364 dias depois. Aí,
então, é sacudi-los, colocar no varal para arejar e estarão novinhos em folha,
prontos para serem usados de novo e outra vez. E depois, a doida sou eu!
Algumas datas, sem dúvida, são memoráveis pelos fatos
históricos que homenageiam. O Dia Internacional da Mulher, por exemplo. Data
escolhida em memória das 129 tecelãs americanas, carbonizadas durante um incêndio
numa fábrica de tecidos, em Nova Iorque, após protestaram por melhores
condições de trabalho. Justo. Justíssimo! Mas seria 13 de maio, realmente, a
data adequada para homenagear a raça negra, flagelada e massacrada pela
bestialidade e venalidade dos brancos? Há controvérsias. Em 1978, o Movimento
Negro Unificado decretou dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência
Negra, data em que, em 1695, morreu Zumbi - líder máximo do Quilombo de
Palmares e símbolo da resistência negra.
Dos Índios, então, o quê dizer? Por milênios habitantes,
reis e senhores, dessa terra - antes da invasão dos europeus, que os
historiadores oficiais insistem em chamar de “descoberta” –, todo dia era mesmo
dia de Índio! Para instituir essa data também não tivemos qualquer
criatividade. Em 1940, durante a realização do I Congresso Indigenista
Interamericano no México, os índios convidados recusaram-se a participar do
evento. Gato escaldo... Dias depois, entretanto, convencidos da importância do
Congresso na luta pela garantia de seus direitos, resolveram comparecer. A
partir de então, esse dia foi dedicado à comemoração do Dia do Índio, 19 de
Abril. A escolha da data não se justifica, mas se explica.
Agora, você sabe como começou essa história de Dia das Mães,
e dia dos Pais? Pois é. Iniciativas, óbvio, de filhos devotados, ambos
americanos. Anna Jarvis, nascida na Virgínia Ocidental, decidiu homenagear sua
mãe, em maio de 1905. A moda pegou e o democrata-ditador (depende do período
histórico) Getúlio Vargas oficializou, por aqui, O Dia das Mães em 32. Já
Sonora Smart Dodd quis demonstrar sua veneração pelo pai, Willian Smart. Isso
em 1909. A primeira comemoração ocorreu em 19 de junho de 1910, em Spokone,
Washington. Oficializada por Richard Nixon em 1972.
Só que, dessa vez, teve um filho brasileiro bem mais
esperto. Não esperou a oficialização americana. A homenagem foi importada para
terras tupiniquins pelo filho -publicitário Sílvio Bhering com a data de 14 de
agosto. Não suspeito, segundo que seja, das nobres intenções desse filho que,
acaso dos acasos, era também publicitário. Com o tempo, as necessidades do
comércio e em nome da igualdade entre mães e pais, decidiu-se pelo segundo
domingo de agosto.
A historinha do tal Dia dos Namorados, no Brasil, ao
contrário do que possam pensar os mais românticos, não é nada diferente.
Preocupadíssimo com as vendas do mês de junho (o pior mês do ano), o dono da
loja Clipper encomendou, em 1949, uma campanha ao publicitário João Dória - na
época na Agência Standard Propaganda . Com o apoio da Confederação de Comércio
de São Paulo, instituiu a data com o slogan: "Não é só de beijos que se
prova o amor" . A Standard ganhou o título de agência do ano e os
comerciantes estão felizes para sempre. Até agora, ao menos.
Diz para mim: dá para levar a sério qualquer uma dessas
datas? Eu não consigo. Por mais que me esforce. Claro que me rendo à sanha
consumista. Como negar brinquedo aos filhos no Dia das Crianças? Aos pais, em
suas respectivas datas? Namorado, esse, dá até para enganar. Mandamos um “tô
dura” a título de desculpas e tacamos um beijo hollywoodiano como compensação.
‘Tá limpo. O que incomoda a mim – e a muitos – é a ausência total e absoluta de
sentimentos nessa mixórdia de datas comemorativas em que se transformou o
calendário. Aí é um tal de “feliz dia disso!, “feliz dia daquilo!” E vamos
driblando, assim, datas e sociedade.
São frases-clichês. Impessoais. Qualquer um as diz. Todos as
dizem. Dizemos para quem só conhecemos de vista, para o vizinho com quem
esbarramos bissextamente, para o porteiro, para o estranho que nos abre a porta
do elevador. Dizemos, por simples educação - essa hipocrisia social aceita e
aprovada -, até para quem nunca vimos. E a sinceridade onde fica? Como posso
dizer a quem amo a mesmíssima frase dita ao guarda de trânsito, que teve a
gentileza de atrasar por segundos o fluxo de carros para que atravessasse a rua
em segurança? Ele foi gentil? Muito. Merecia um agradecimento? Sem dúvida. Eu o
amo? Óbvio que não!
Os politicamente corretos que me perdoem, mas esse amor latu
sensu pela Humanidade não é uma característica minha. Não tenho pela nossa
espécie um apreço especial. Sinto se decepciono. Mas, em nome da franqueza, admito. Até porque não
pretendo me graduar em Irmã Dulce nem fazer mestrado em Madre Thereza de
Calcutá - embora as admire profundamente.
Tudo o que desejo, nesse momento, é dizer às pessoas a quem amo - sem me
valer de clichês ou datas - que eu verdadeiramente as amo.
E, por amá-las tanto, desejo que tenham PAZ. Que vivam em
HARMONIA consigo mesmas. Que não permitam a outrem lhes ditar normas e regras
para o seu viver. Desejo que vivam em COMUNHÃO com suas emoções. E se, para
serem coerentes consigo mesmos, for necessário parecer incoerentes aos olhos
míopes do mundo, pois que sejam! Essa PAZ é conquista pessoal e intransferível.
Portanto, queridos, rogo a Ele que lhes dêem coragem para buscá-la. Humildade
para obtê-la. Atitude para mantê-la. Coerência para vivê-la.
Em tempo: Para quem não sabe (nem eu sabia, fui pesquisar)
hoje, 26 de julho, é o Dia dos Avós. Feliz Dia dos Avós para todos os avôs e
avós do planeta!
Simone Salles
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