domingo, 30 de setembro de 2012

Morte, por Pedro Bial

 

Assisti a algumas imagens do velório do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus depoimentos.
Parecia que a qualquer instante iria estourar uma piada, estava tudo sério demais, faltava a esculhambação, a zombaria, a desestruturação da cena.
Mas nada acontecia ali de risível, era só dor e a perplexidade, que é mesmo o que causa em todos os que ficam.
A verdade é que não havia nada a acrescentar no roteiro:
a morte por si só, é uma piada pronta.
A morte é ridícula.
Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário,
tem planos para semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde...
MORRE.
Como assim?
E os e-mails que você ainda não abriu?
O livro que ficou pela metade?
O telefonema que você prometeu dar a tardinha para um cliente?
Não sei de onde tiraram esta idéia:
MORRER...
A troco de que?
Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviram para nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente.
Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego. Mas não desistiu.
Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular, mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de duvidas quanto à profissão escolhida...
Mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...
De uma hora pra outro, tudo isso termina...
Numa colisão na freeway...
Numa artéria entupida...
Num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis...
Qual é?
Morrer é um chiste.
[A morte] obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida.
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas...
Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas...
A apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira.
Logo você que dizia: das minhas coisas cuido eu.
Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manha.
Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito...
Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem vindo...
Já não há muito mesmo a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas.
Ok, hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo?
Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas.
Morrer é um exagero.
E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas.
Só que esta não tem graça.
Por isso viva tudo que há para viver.
Não se apegue as coisas pequenas e inúteis da vida...
Perdoe...
Sempre!!

Retirado do blog: http://filosofiacompoesia.blogspot.com.br/2010/11/ensaio-sobre-morte-por-pedro-bial.html

ARMADILHA DO MITO

 

Reeditado, Guerreiros do Sol, de Frederico Pernambucano de Mello, desmonta teses como a da ‘face solidária' de Lampião

Várias circunstâncias favoreceram a divulgação da imagem romântica dos cangaceiros que infestaram o sertão nordestino no início do século 20. A sobrevivência no semiárido os forçava a usar trajes apropriados para sobreviver aos garranchos, carrapichos e espinhos da caatinga e esse costume, adotado hoje pelos artistas em cena, por exemplo, os diferenciava de bandidos comuns e lhes deu uma marca visual definida. A facilidade com que fugiam dos cercos policiais, ajudados pela topologia do terreno e da vegetação do sertão e também pela corrupção, lhes propiciava uma espécie de aura que funcionava quase como uma licença para delinquir.

Esses grupos de bandoleiros surgiram numa região remota e sem lei na qual os coronéis latifundiários reinavam sem prestar contas ao Estado e em territórios sem estradas e difíceis de serem percorridos até mesmo por animais de montaria. Deslocavam-se quase sempre a pé, guiados pelo conhecimento do terreno em que pisavam, que nem sempre os agentes da lei conheciam. Moviam-se também numa cultura peculiar que lhes facilitava a ação. O semifeudalismo vigente consagrou como legítimos e corriqueiros costumes bíblicos, como a vingança, praticada conforme a lei de talião (“olho por olho, dente por dente”), que não respeitava a justiça comum. Crimes de honra, cometidos por pais que puniam com a morte mancebos atrevidos que ousavam desvirginar suas filhas donzelas, também tidos como useiros e vezeiros, serviam de pretexto para esconder a brutalidade numa região inóspita de sol inclemente, água escassa e secas periódicas.

Logo chefes de bandos se tornaram mitos que protagonizavam notícias sensacionalistas, romances de aventura e folhetos de cordel. O Cabeleira foi imortalizado no romance de Franklin Távora, de 1876. Antônio Silvino tornou-se célebre como o inglês Robin Wood, o australiano Ned Kelly e o americano Billy the Kid. O mais famoso de todos eles foi Virgolino Ferreira da Silva, pernambucano de Serra Talhada e imortalizado nos meios de comunicação e no romanceiro literário e popular como Lampião, o Rei do Cangaço.

A lenda em torno de sua saga serviu a vários senhores. Na onda do banditismo social, consagrada pelo britânico Eric Hobsbawn, sociólogos marxistas o tornaram o vingador dos pobres nos latifúndios. Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó, é um exemplo dessa falácia, que chegou a extremos como a tentativa de estabelecer um paralelo entre cangaceiros e guerrilheiros de Christina Matta Machado em As Táticas de Guerra dos Cangaceiros.

Frederico Pernambucano de Mello, do Instituto Joaquim Nabuco, é fiel aos fatos e respeita as leis da lógica, da sensatez e da clareza. Com serenidade e competência, desafia a mitologia do cangaço social, desfazendo "verdades" inventadas por biógrafos oficiais e analistas de esquerda. Quem lê seus livros vê-se tem acesso a relato e análises de fatos e não de lendas. O pretexto de Lampião se juntar ao grupo de Sinhô Pereira, em cujo comando depois ganharia fama, era vingar-se de um inimigo malvado de sua família. Pernambucano lembra que a vingança nunca foi consumada e, no fim, o cangaceiro e os desafetos de sua grei se reconciliaram. Em Guerreiros do Sol, livro em muito boa hora reeditado pela Girafa Editora, o especialista desarma a armadilha do banditismo social, mostrando sua face violenta e nada solidária. Os cabras de Lampião roubavam em proveito próprio e nunca dividiram seu butim com os pobres.

Até tombar na gruta de Anjico, no sertão de Sergipe, o Rei do Cangaço sobreviveu graças à cumplicidade dos "coiteiros" que o abrigavam, protegiam e informavam a peso de ouro e recorrendo a estratagemas de esperteza incomum. Recebeu a patente fajuta de capitão das mãos do Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço de Juazeiro do Norte, Ceará, outro mito popular sertanejo, para perseguir a Coluna Prestes, que ziguezagueava pelo sertão que seu bando percorria. Espertamente, tanto os militares rebelados quanto os rudes bandoleiros se evitavam pelas veredas do semiárido para não terem de se confrontar.

O autor mostra também como a vida aventureira, ao ar livre, enfrentando volantes das polícias estaduais, atraiu muitos jovens de famílias abastadas, que, a exemplo do que ocorre hoje, nas metrópoles do século 21, se tornavam criminosos profissionais em busca de fortuna e emoção. Este foi o caso do paraibano Chico Pereira, pai do padre, professor e escritor do mesmo nome, que escreveu um dos mais precisos e sensíveis textos sobre esse aspecto romanesco do cangaço, Vingança, não, cujo título revela a decisão da família de não fazer o que mandava o figurino da honra sertaneja: vingar a morte do ascendente morto.

JOSÉ NÊUMANNE PINTO

 

Em Guerreiros do Sol reluz a luz do sol do semiárido para dissipar as névoas de lenda e fantasia sobre o falso cangaço social.

GUERREIROS DO SOL Autor: Frederico Pernambucano de Mello Editora: Girafa (512 págs., R$ 55)

sábado, 29 de setembro de 2012

Morre Hebe Camargo

 

Corpo de Hebe é velado em São Paulo




Apresentadora morreu na madrugada deste sábado, dia 29
Corpo da apresentadora Hebe Camargo chega para ser velado no Palcio dos Bandeirantes / Nelson Antoine/Fotoarena/Folhapress
Corpo da apresentadora Hebe Camargo chega para ser velado no Palácio dos BandeirantesNelson Antoine/Fotoarena/Folhapress
Começou pouco depois das 19h deste sábado, dia 29, o velório da apresentadora Hebe Camargo no Palácio dos Bandeirantes, localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo.
Alguns minutos antes, o corpo da apresentadora havia deixado a casa onde ela morava, no mesmo bairro, em um carro funerário, que foi seguido por ampla cobertura da mídia.
Emoção dos famosos marca o velório; veja fotos
A primeira hora da cerimônia foi reservada aos parentes e amigos da artista, que morreu na madrugada, vítima de uma parada cardíaca.
O cantor Roberto Carlos foi o primeiro famoso a se despedir de Hebe e não conteve as lágrimas ao se debruçar sobre o caixão da artista.
O público em geral pôde dar o último adeus à “rainha da TV brasileira”, que desde 2010 lutava contra um câncer no peritônio, a partir das 20h.
Relembre a trajetória de Hebe com imagens históricas
Os populares não param em frente ao caixão, distante 1,5m dos fãs, mas seguem de forma lenta e contínua pelo percurso delimitado por fitas.
O velório deve continuar até as 9h de domingo, 30, e o enterro do corpo da apresentadora está marcado para as 9h30 do mesmo dia, no Cemitério Gethsemani, também no Morumbi, zona sul da capital.

Aniversário de morte de Machado de Assis

 
Nota de falecimento
 Falecimento de Affonso Ávila, dia 26, em Minas Gerais
Extra: 29 de setembro
Falecimento de Machado de Assis (1908, Rio de Janeiro/RJ)    poesia   prosa
 Nascimento de Plínio Marcos (1935, Santos/SP), Vânia Moreira Diniz
 Falecimento de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto, 1968, RJ)
Literatura
Poesia
 Temática Vida!: Eduardo Hoffmann
Prosa
 Coluna de José Nêumanne










quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Dia do Cantor

 

                 Tributo III

Eles
Elis
não compreendem
a dignidade de um artista
interessam apenas pelas aparências
e querem te julgar com laudos médicos
Eles
Elis
não entendem a pessoa que idolatram
e apunhalam
redigem editoriais
promovem homenagens póstumas
missas de corpo ausente
Eles
Elis
não entendem o drama humano
tentarão roubar a leveza de tua alma
que tua cristalina voz ousar perpetuar.

                 Flávio Machado

20 anos sem Elis
(2002)

domingo, 16 de setembro de 2012

Crônica de Primavera


Estamos na primavera. É inacreditável, mas estamos na primavera. Não parece, os dias continuam feios, cinzas, sem graça. O calendário deve estar errado. Não pode ser. Estamos em plena estação das flores, do verde, da vida, mas um ar triste paira sobre as coisas. O sr. Prefeito tomou a providência anual de enfeitar com coroas de flores os monumentos da cidade; reconheço a boa, ótima intenção, mas o caso é que não convence, é artificial, está nos dizendo que é o primeiro dia da primavera e ninguém vê mudança nenhuma, o estado de espírito é de inverno, dominando, teimoso.
As praias começam a ser procuradas, é verdade, às vezes enchem-se de gente; mas o sol, indeciso, custa a aparecer e não tarda a ir-se embora; mas o vento frio vai e vem, a temperatura cambiante oferta à população o direito à gripe e à melancolia. As ruas exalam mau-cheiro, homens e crianças torcem os narizes; é mais um motivo para fazer cara feia; um constipado pode ser conveniente, evita o contato com o podre, que polui até a alma. Onde está a primavera? Penso em Machado de Assis: “Mudaria o Natal ou mudei eu?” E em Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.”
Falei acima em “estado de espírito”. Pois a primavera é um estado de espírito. Que infelizmente toldou-se de nuvens estranhas. Houve uma mudança, que deve ter sua causa. Primeiro mudam-se os tempos, depois mudam-se as vontades. O problema está no tempo e eu, o meu estado de espírito primaveril, vou encontrá-lo numa longínqua infância que a memória, por um impulso inadvertido, às vezes traz à tona da consciência.
Para mim a primavera é o mato, o cheiro do mato, o orvalho, a terra molhada, o capim amassado, o estrume das vacas. É um mundo primitivo, feito de ingenuidade e força telúrica. Um mundo em que domina a voz de meu pai, gritando com as vacas ou com a chuva. E havia o grande terreiro de café, os passos medidos de meu pai manejando o rastelo e os grãos de café, vermelhos, muito vermelhos, alguns levemente avermelhados, ou verdes, amarelados, quase negros – e eu, menino, agachadinho num canto, um grande cacho de mamona na mão, gozando o espetáculo: era uma festa de cores, e eram as cores da minha primavera. Não me lembro particularmente das flores, embora minha mãe nunca tenha deixado de cultivar os seus jardins; talvez o bom moleque sempre prefira andar atrás dos seus passarinhos, em andanças sem fim, ou das frutas, as gordas jabuticabas, as mangas, as goiabas, os coquinhos... Minha ambição era conseguir trepar ao alto do mais alto coqueiro! E me lembro da quietude das noites, as estrelas e os pirilampos, os morcegos e as corujas, e os vultos dos bois no pasto, os vultos dos coqueiros, árvores, plantações ao longe, mais ao longe morros e casas, os muitos vultos da noite, e o sono, o corpo cansado e satisfeito. E o amanhecer, o frescor saudável das madrugadas, o leite espumante na mangueira, sob o mugido das vacas, pisando o barro vermelho, desviando dos montes de estrume...
Muito depois, mais de vinte anos depois escrevi um poema, e um verso enfatizava “o perfume quente dos estrumes”; meu amigo Heusner Tablas discordava: perfume? Mas eu o sentia assim, e ele tinha que saber: a imagem era boa, sugestiva, e verdadeira, pelo menos para nós, filhos do mato. Tornamo-nos citadinos, trabalhamos com palavras ou números, mas o nosso sentimento, na raiz da nossa intimidade com as coisas, a nossa verdade mais interior está, de qualquer modo, ligada à terra. Não importa que não saibamos expressá-la; nós, mesmo sem percebê-lo, a vivemos. E quando falamos em primavera, observando o simulacro de primavera civilizada na urbe moderna, os olhos voltam-se para o passado, nostalgicamente, dentro de nós.

José Carlos Mendes Brandão

N.A.: Crônica publicada no jornal "A Tribuna", de Santos, em 22 de setembro de 1978. O mal que dizem do homem, que transforma o planeta em que vive, já aparece nesta crônica de mais de 30 anos

sábado, 15 de setembro de 2012

Dia do cliente

 

Dia do Cliente: "E se tudo que conhecemos for uma ilusão, e nada existe de verdade?
Nesse caso, acho que paguei demais pelo tapete da sala" - Woody Allen

Literatura

Poesia

Temática saudade: Nivaldo Menezes

domingo, 9 de setembro de 2012

Dia do veterinário


PRISCILA SENA

Médica Veterinária do gatil da Suipa, especialista em Patologia Clínica de pequenos animais, Plantonista da Help Vet, autora e co-autora de trabalhos científicos publicados, entre eles: Diagnóstico de Tumor Venéreo Transmissível Cutâneo Canino através do Método de Punção por Agulha Fina; Determinação do Perfil Hematológico para Mico Leão Dourado, Livre de Patógenos Específicos na Reserva de Poço das Antas.

Falecimento de Latuf Isaias Mucci (Belo Horizonte/MG, 2010)
 

Literatura

Poesia

Temática mensal primavera: Marco Antonio de Menezes

Prosa

Coluna trimensal de Marli Berg: Livros em Blocos

sábado, 8 de setembro de 2012

Dia Mundial da Alfabetização: "Alfabetização e Conscientização", Paulo Freire

 

Filosofia e Problemática - Visão do Mundo (*)

Acredita-se geralmente que sou autor deste estranho vocábulo “conscientização” por ser este o conceito central de minhas idéias sobre a educação. Na realidade, foi criado por uma equipe de professores do INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS por volta de 1964. Pode-se citar entre eles o filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro. Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade.

Desde então, esta palavra forma parte de meu vocabulário. Mas foi Hélder Câmara quem se encarregou de difundi-la e traduzi-la para o inglês e para o francês.

Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-la. Objetivando ou admirando – admirar se toma aqui no sentido filosófico – os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente isto, a “práxis humana”, a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo.

Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura.

Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica.

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.

Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece... (4)

A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo.

Tomando esta relação como objeto de sua reflexão crítica, os homens esclarecerão as dimensões obscuras que resultam de sua aproximação com o mundo. A criação da nova realidade, tal como está indicada na crítica precedente, não pode esgotar o processo da conscientização. A nova realidade deve tomar-se como objeto de uma nova reflexão crítica. Considerar a nova realidade como algo que não

possa ser tocado representa uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a antiga realidade é intocável.

A conscientização, como atitude crítica dos homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam, continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obscuridade.

A conscientização, que se apresenta como um processo num determinado momento, deve continuar sendo processo no momento seguinte, durante o qual a realidade transformada mostra um novo perfil.

Desta maneira, o processo de alfabetização política – como o processo lingüístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prática para sua libertação. No primeiro caso, a prática da conscientização não é possível em absoluto, enquanto no segundo caso o processo é, em si mesmo, conscientização. Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de humanização, de outro. (5)

A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”.

Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico.

A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar sp não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um ante-projeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá.

Além disso, entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico.

Por isso mesmo, somente os utópicos – quem foi Marx se não um utópico? Quem foi Guevara senão um utópico? – podem ser proféticos e portadores de esperança.

Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança.

A conscientização está evidentemente ligada à utopia, implica em utopia. Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que assumimos. Mas esta posição deve ser permanente: a partir do momento em que denunciamos uma estrutura desumanizante sem nos comprometermos com a realidade, a partir do momento em que chegamos à conscientização do projeto, se deixarmos de ser utópicos nos burocratizamos; é o perigo das revoluções quando deixam de ser permanentes. Uma das respostas geniais é a da renovação cultural, esta dialetização que, propriamente falando, não é de ontem, nem de hoje, nem de amanhã, mas uma tarefa permanente de transformação.

A conscientização é isto: tomar posse da realidade; por esta razão, e por causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da realidade. A conscientização produz a desmitologização. É evidente e impressionante, mas os opressores jamais poderão provocar a conscientização para a libertação: como desmitologizar, se eu oprimo? Ao contrário, porque sou opressor, tenho a tendência a mistificar a realidade que se dá à captação dos oprimidos, para os quais a captação é feita de maneira mística e não crítica. O trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho da desmitificação. Por isso mesmo a conscientização é o olhar mais critico possível da realidade, que a “desvela” para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante. (6)

Diante de um “universo de temas" em contradição dialética, os homens tornam posições contraditórias; alguns trabalham na manutenção das estruturas, e outros, em sua mudança. Na medida em que cresce o antagonismo entre os temas que são a expressão da realidade, os temas da realidade mesma possuem tendências a serem mitificados, ao mesmo tempo que se estabelece um clima de irracionalidade e de sectarismo. Este clima ameaça arrancar dos temas sua significação profunda e privá-los do aspecto dinâmico que os caracteriza. Numa tal situação, a irracionalidade criadora de mitos converte-se, ela própria, em tema fundamental. O tema que se lhe opõe, a visão crítica e dinâmica do mundo, permite “desvelar” a realidade, desmascarar sua mitificação e chegar à plena realização do trabalho humano: a transformação permanente da realidade para a libertação dos homens.

Em última instância, os temas estão contidos nas situações-limite e as contêm; as tarefas que eles implicam exigem atos-limite. Quando os temas estão ocultos pelas situações-limite, e não percebidos claramente, as tarefas correspondentes – as respostas dos homens sob a forma de uma ação histórica – não podem ser cumpridas, nem de maneira autêntica, nem de maneira crítica. Nesta situação, os homens são incapazes de transcender as situações-limite para descobrir que além destas situações e em contradição com elas encontra-se algo não experimentado.

Em resumo, as situações-limite implicam na existência de pessoas que são servidas direta ou indiretamente por estas situações, e outras para as quais elas possuem um caráter negativo e domesticado. Quando estas últimas percebem tais situações como a fronteira entre ser e ser mais humano, melhor que a fronteira entre ser e não ser, começam a atuar de maneira mais e mais crítica para alcançar o “possível não experimentado” contido nesta percepção. Por outra parte, aqueles que são servidos pela situação-limite atual vêem o possível não experimentado como uma situação-limite ameaçadora, que deve ser impedida de realizar-se, e atuam para manter o “status quo”. Conseqüentemente, as ações libertadoras, num certo meio histórico, devem corresponder não somente aos temas geradores como ao modo de se perceber estes temas. Esta exigência implica em outra: a procura de temáticas significativas.

Os temas geradores podem situar-se em círculos concêntricos que vão do geral ao particular. A unidade histórica mais ampla compreende um conjunto diversificado de unidades e subunidades (continentais. regionais, nacionais etc.) e comporta temas de tipo universal. Eu considero que o tema fundamental de nossa época é o da dominação, que supõe seu reverso, o tema da libertação, como objetivo que deve ser alcançado.

É este tema que preocupa, e é ele que dá à nossa época a característica antropológica que mencionei anteriormente. Para realizar a humanização que supõe a eliminação da opressão desumanizante, é absolutamente necessário transcender as situações-limite nas quais ps homens são reduzidos ao estado de coisas.

Sem dúvida, quando os homens percebem a realidade como densa, impenetrável e envolvente, é indispensável proceder a esta procura por meio da abstração. Este método não implica que se deva reduzir o concreto ao abstrato (o que significaria que o método não é de tipo dialético), mas que se mantenham os dois elementos, como contrários, em inter-relação dialética no ato da reflexão.

Encontra-se um excelente exemplo deste movimento de pensamento dialético na análise de uma situação concreta, existencial, “codificada”. Sua “descodificação” exige que passe do abstrato ao concreto; ou melhor, da parte ao todo, para voltar depois às partes; isto implica que o sujeito se reconheça no objeto como uma situação na qual se encontra com outras pessoas. Se a descodificação for bem feita, este movimento de fluxo e refluxo, do abstrato ao concreto, que se produz na análise de uma situação codificada, conduz a substituir a abstração pela percepção crítica do concreto, que deixou já de ser uma realidade densa impenetrável.

Sem dúvida, como o código é a apresentação de uma situação existencial, o descodificador tende a passar da representação à situação muito concreta na qual e com a qual trabalha. Assim é possível explicar, por meio de conceitos, por oue os indivíduos começam a portar-se de uma maneira diferente frente à realidade objetiva, uma vez que esta realidade deixou de apresentar-se como um beco sem saída e tomou o seu verdadeiro aspecto; um desafio a que os homens devem responder. (7)

No nosso método, a codificação, a princípio, toma a forma de uma fotografia ou de um desenho que representa uma situação existencial real ou uma situação existencial construída pelos alunos. Quando se projeta esta representação, os alunos fazem uma operação que se encontra na base do ato de conhecimento; se distanciam do objeto cognoscível. Desta maneira os educadores fazem a experiência da distanciação, de forma que educadores e alunos possam refletir juntos, de modo crítico, sobre o objeto que os mediatiza. O fim da descodificação é chegar a um nível crítico de conhecimento, começando pela experiência que o aluno tem de sua situação em seu “contexto real”.

Enquanto a representação codificada é o objeto cognoscível que mediatiza sujeitos conhecedores, a descodificação – compor o código em seus elementos constituintes – é a operação pela qual os sujeitos conhecedores percebem as relações entre os elementos da codificação e entre os fatos que a situação real apresenta, relações que antes não eram percebidas.

A codificação representa uma dimensão dada da realidade tal como a vivem os indivíduos, e esta dimensão é proposta à sua análise num contexto diferente daquele no qual eles a vivem. Assim a codificação transforma o que era uma maneira de viver num contexto real, num “objectum” no contexto teórico. Os alunos, mais que receber uma informação a propósito disto ou daquilo, analisam os aspectos de sua própria experiência existencial representada na codificação. (8)

Em todas as fases da descodificação, os homens revelam sua visão do mundo. Conforme a maneira como eles vêem o mundo e como o abordam – de modo, fatalista, estático, ou dinâmico – podem-se encontrar seus temas geradores. Um grupo que não expressa concretamente temas geradores (o que pareceria significar que não possui temas) sugere, ao contrário, um tema trágico: o tema do silêncio. O tema do silêncio sugere uma estrutura de mutismo frente à força esmagadora das situações-limite.

Procurar o tema gerador é procurar o pensamento do homem sobre a realidade e a sua ação sobre esta realidade que está em sua práxis. Na medida em que os homens tornam uma atitude ativa na exploração de suas temáticas, nessa medida sua consciência crítica da realidade se aprofunda e anuncia estas temáticas da realidade.

Devemos perceber que as aspirações, os motivos e os objetivos contidos nas temáticas significativas são aspirações, motivos e objetivos humanos. Não existem em alguma parte “fora”, como entidades estáticas; são históricas como os homens mesmos; conseqüentemente, não podem ser captadas prescindindo dos homens. Captar estes temas é compreendê-los, e compreender, portanto, os homens que os encarnam e a realidade à qual se referem.

Mas, precisamente porque não é possível compreender estes temas prescindindo dos homens, é necessário que os homens implicados os compreendam também. A procura temática converte-se assim numa luta comum por uma consciência da realidade e uma consciência de si, que fazem desta procura o ponto de partida do processo de educação e da ação cultural de tipo libertador.

O perigo real desta procura não é que os objetos que se supõem serem os seus deturpem os resultados analíticos; ao contrário, o perigo encontra-se no risco de fazer desviar o eixo da procura dos temas significativos para os homens mesmos, considerando assim os homens como objetos da procura.

Precisando: a procura temática implica na procura do pensamento dos homens, pensamento que se encontra somente no meio dos homens que questionam reunidos esta realidade. Não posso pensar no lugar dos outros ou sem os outros, e os demais também não podem pensar em substituição aos homens.

Os homens enquanto “seres-em-situação” encontram--se submersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles igualmente influem.

Refletirão sobre seu caráter de seres situados, na medida em que sejam desafiados a atuar. Os homens são porque estão situados. Quanto mais refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e mais atuarem sobre ela, serão mais homens.

A educação e a investigação temática numa concepção crítica de educação constituem somente diferentes momentos do mesmo processo.

Paulo Freire

Notas bibliográficas:
(4) Seminário de Paulo Freire sobre a “Conscientização e Alfabetização de Adultos”. Roma, 17-19 de abril de 1970.
(5)
O Processo de Alfabetização Política. Genebra, outubro, 1970.
(6)
Seminário de Paulo Freire sobre a “Conscientização e a Alfabetização de Adultos”. Roma, 17-19 de abril de 1970.
(7)
Pedagogia do Oprimido, capítulo III.
(8)
Ação Cultural para a Libertação. Cambridge (Mass., EUA), 1970
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1ª parte do 2º Capítulo intitulado: Alfabetização e Conscientização, do livro Conscientização - Teoria e Prática da Libertação - Uma introdução ao Pensamento de Paulo Freire,Cortez & Moraes, 1979, SP. A numeração das notas deste capítulo começa no nº 4.
Livro na íntegra: http://pt.scribd.com/doc/7178773/Paulo-Freire-Conscientizacao-PDF

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

7 de setembro: Dia da Pátria/Independência do Brasil

 

Leia textos de  Gonçalves de Magalhães, Dom Pedro II

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Sete de Setembro
dia da pátria

dia de exorcizar os políticos
e reconstruir o futuro do brasil

dia da pátria

dia de cantar o hino nacional
e dormir em berço esplêndido
(como macunaíma).

Linaldo Guedes

Do livro: Os zumbis também escutam blues e outros poemas, A União/Textoarte, 1998, João Pessoa/PB

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PRÊMIOS E AGRURAS

 

Não é nada fácil ganhar prêmios literários. Concorrem a eles centenas, às vezes milhares de escritores e escrevinhadores. Seriam necessários dezenas de julgadores. Ou alguns anos, para que os três (quase sempre são apenas três) leitores lessem tudo. Assim, não há tempo para a leitura de todas as obras inscritas. Resultado: terminam ganhando os mais íntimos da sorte. Claro que a maioria não está incluída nesse rol. Suas obras não chegam a participar do jogo. São jogadas ao lixo antes do início do jogo. Uma seleção prévia - a leitura de um parágrafo, de duas ou três frases, versos - é o suficiente para que o julgador tenha idéia do valor da obra inteira. Mas não quero me alongar nessa história de leituras e sortes. Seria uma novela sem fim. Vou, pois, passar à fase seguinte do concurso: o recebimento dos prêmios. Para tanto, tenho a contar quatro historiazinhas das quais fui protagonista ou participante.
Primeira história: em 1990 participei do "XXII Concurso Nacional de Literatura", categoria romance, promovido pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Inscrevi o livro A Última Noite de Helena. Uma tarde, enfastiado de processos, crimes, petições, abri um jornal. A notícia do prêmio me chamou a atenção, apesar de não me lembrar mais de minha participação no concurso. O redator anunciava os nomes dos ganhadores e os títulos das obras premiadas nas diversas categorias. Havia a foto de um homem que eu desconhecia e uma legenda: "fulano de tal, vencedor na categoria romance, com o livro A Última Noite de Helena". Tomei um susto. Ora essa, alguém havia escrito um romance sob o mesmo título do meu. Não acreditei em coincidências. Como sou sempre pessimista, aventei a hipótese da troca dos títulos dos livros. O ganhador seria mesmo aquele homem da foto. O equívoco teria sido cometido apenas em relação ao título do romance. Alguém teria levado à redação do jornal a relação dos títulos concorrentes. No dia seguinte tive direito a foto, aliás em maior espaço do que o ocupado pelo outro, e a falar do engano cometido e de minha vida de escritor.
A segunda parte da história é menos cômica: de posse do cheque, fui ao banco. O caixa pediu minha cédula de identidade e berrou: "este nome não confere com o nome constante do cheque." No cheque haviam escrito "Nilto Maciel". O "Fernando" havia sido suprimido. Não recebi o dinheiro, depois de passar duas horas na fila. Recebi-o, sim, dias depois.
Segunda história: participei do "Concurso Graciliano Ramos de Romance (1992-1993)", promovido pelo Governo do Estado de Alagoas, com o livro Os Luzeiros do Mundo. A notícia me chegou por telefone. Porém fui chamado por uma vizinha, para onde haviam ligado. Deram-me parabéns; aguardasse comunicação por escrito. O prêmio consistia em algum dinheiro e na edição do romance. Aguardei a comunicação por alguns dias. Depois esperei o cheque. Passaram-se dias, semanas. Decidi mandar cartas e telefonar. Aquelas não foram respondidas. Ao telefone o outro, a outra nunca sabiam de nada. "Isso deve ser com o doutor sicrano; aguarde um minuto, por favor." Passavam-se minutos e mais minutos. "Ele mandou dizer que é para o senhor aguardar o cheque aí em Brasília." Gastei uma fortuna com telefonemas. E finalmente o cheque bateu à minha porta. A edição do romance, no entanto, até hoje não se fez realidade.
Terceira história: em 1996 participei do "Prêmio Cruz e Sousa de Literatura", promovido pelo Governo do Estado de Santa Catarina. Enviei o romance A Rosa Gótica. O prêmio consistia em algum dinheiro e na edição do livro. Fiquei sabedor da premiação por um telegrama passado pelo poeta Iaponan Soares. Gato escaldado, peguei um avião e fui a Florianópolis. Levava comigo também uma procuração passada pelo poeta Anderson Braga Horta, ganhador do prêmio de dramaturgia. Apresentei o documento a uma funcionária, que guardou segredo disso. Na solenidade de entrega dos prêmios, o primeiro a ser chamado foi exatamente o Anderson. Dirigi-me à mesa, o governador me apertou a mão, fui aplaudido pelo pequeno público e voltei à cadeira. Mal me sentava, o orador anunciou o prêmio de romance. Ainda com o cheque do Anderson à mão, me encaminhei à mesa. Houve estupefação geral. Como explicar aquilo? Eu era Anderson ou Nilto? Iaponan tratou de me socorrer, aos gritos: "Este é o Nilto mesmo, eu garanto." O livro ainda não foi editado.
Quarta história: também em 1996 participei do "VI Prêmio Literário Cidade de Fortaleza", promovido pela Fundação Cultural da capital cearense. Enviei o conto "Apontamentos para um ensaio". A notícia da premiação me foi dada pelo poeta Diogo Fontenelle. Viajei a Fortaleza em janeiro de 1997. Falaram-me da esmagadora vitória eleitoral do prefeito situacionista, dos enormes gastos com a campanha eleitoral e, logicamente, da falta de recursos financeiros para saldar compromissos assumidos pelo antecessor. Portanto, não havia dinheiro para o pagamento dos prêmios literários. Fui procurado por inúmeros jornalistas e instado a fazer de público a cobrança da dívida prefeitoral. Às vésperas (dois meses depois) de regressar a Brasília, exatamente duas horas antes da partida do avião, recebi o tão esperado cheque. O livro, que reuniria meu conto e os nove que se seguiram ao meu em ordem de classificação, ainda espera por editor.
Apesar dessas agruras, sou um dos milhares de escritores que acreditam em concursos literários, não dão ouvidos ao azar e têm certeza de que suas obras nunca irão para o lixo. E sabem não ser nada fácil ganhar prêmios literários. Ganhar, receber e ver cumpridos os regulamentos. Sobretudo o artigo que diz: "o prêmio consiste em ... e na publicação da obra vencedora."
Agora peço, ao leitor paciente, permissão para me retirar. Preciso ler direitinho um regulamento de concurso literário que me chegou hoje.
Brasília, 12 de setembro de 1997.

Nilto Maciel