A Turquia começou o ano eliminando uma lista de livros proibidos, mas este avanço, sobretudo simbólico, não mudou a mentalidade das autoridades com relação à censura, segundo diversos escritos e editores do país.
"É difícil proibir ou queimar livros no mundo atual e o governo turco se sentiu obrigado a abolir uma lista de livros proibidos que hoje já não faz sentido", disse à Agência Efe em conversa por telefone o escritor Burhan Sönmez.
Sönmez se referia à notificação da Procuradoria do Estado, que em dezembro anunciou que iria eliminar uma "lista negra" de 453 livros e 645 publicações, cuja difusão tinha sido proibida em décadas passadas.
Ao não ser recorrida, a decisão entrou em vigor neste mês, mas de acordo com escritores e editores, o passo não significou nenhuma mudança, já que muitas destas obras eram vendidas há anos sem que o público soubesse que eram proibidas.
Entre os livros agora oficialmente "autorizados", estão marcos como as obras completas do poeta nacional Nazim Hikmet e a sátira "Azizname" do muito popular escritor Aziz Nesin, assim como textos clássicos na história do pensamento político, como o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.
Mas Meltem Gürle, professor de Literatura na Universidade Bogazici de Istambul, acredita que "embora a lista de livros proibidos desapareça, a mentalidade de censura continua existindo. É contra essa mentalidade que é preciso lutar".
É que as autoridades turcas continuam censurando livros que não são de seu agrado, explica à Efe Bilge Sanci, diretora-executiva da editora Sel, levada aos tribunais pela série "Livros Sexuais", na qual figuram autores como Guillhaume Apollinaire e textos clássicos como o Kama Sutra, o grande livro indiano do erotismo.
A obra de Apollinaire, As Façanhas de um Jovem Don Juan, foi considerada "não literária" pela comissão governamental para a proteção da infância contra publicações nocivas.
No entanto, um tribunal decidiu que o livro devia ser classificado como obra artística e portanto, não cai na categoria de "livros obscenos", cuja divulgação possa ser proibida.
"Mas a Corte Suprema anulou esta decisão e o livro em breve pode voltar às lojas. Embora há tempos não perdemos um processo, sempre há dúvidas", disse Bilge. Também o romance A Máquina Branda, de William Burroghs, deu voltas pelos tribunais durante um ano e meio.
Coños, do espanhol Juan Manuel de Prada, por outro lado foi considerado "obra literária" pela Comissão Governamental, da mesma forma que outras duas obras de Burroughs, provavelmente porque os casos anteriores tinham causado uma enorme polêmica, disse Bilge.
"Esta tragicomédia continuará enquanto não houverem reformas profundas que mudem a mentalidade do Estado, que trata os cidadãos como crianças que devem ser protegidas e educadas segundo códigos morais nacionais", adverte.
Um exemplo recente aconteceu neste mês, quando o Ministério de Educação turco tentou eliminar dos colégios dois clássicos da literatura: Ratos e Homens, de John Steinbeck, e Meu Pé de Laranja Lima, um clássico juvenil do brasileiro José Mauro de Vasconcelos.
As razões dessas proibições são, no primeiro caso, uma conversa que acontece em um bordel, e no segundo, porque a criança protagonista recita uma canção sobre uma mulher nua. Curiosamente, ambas as obras estão na lista dos cem textos fundamentais do próprio Ministério da Educação.
A editora Bilge ressalta que os casos de "obscenidade", como o de Steinbeck, são os mais absurdos e os que provocam maior polêmica internacional, mas que não são um fenômeno novo e nem se renderam à censura política, especialmente no âmbito dos direitos da população curda.
"Com um livro de Marx não acontece nada, mas quando se trata da questão curda ou do debate do genocídio (armênio), a censura segue funcionando", conclui a editora.
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