Acho que Ivana Mihanovich pertence à nova geração de tarólogas; já vai longe o tempo em que as lâminas do tarô eram usadas apenas para fins divinatórios. A autora fala da vida, e de uma vida mais luminosa para todos nós em seu livro: Tarot Luminar - Refletindo sob as luzes dos Arcanos Maiores. Um livro de muita reflexão. Leila MíccolisLM - Ivana Mihanovich. Com esse sobrenome estrangeiro, a primeira pergunta só pode ser: você brasileira? Ivana - Sou filha de pais argentinos, nascida em São Paulo, capital. Minha primeira língua foi o espanhol, então sou meio brasileira, meio portenha. É por isso, inclusive, que o livro se chama Tarot Luminar e não Tarô Luminar, que seria a grafia correta em português. Em espanhol se diz "tarot" e eu até consegui engolir a grafia correta nos textos, mas no título não deu; preferi manter em espanhol. LM - Quando e por quê surgiu o tarô em sua vida? Ivana - Minha mãe tinha uma coleção de baralhos, alguns tarôs incluídos. Aos onze anos, por brincadeira, olhei todos, mas comecei a usar as cartas do baralho comum mesmo, como oráculo. Tirava a sorte pras minhas amigas, aquela coisa de querer saber se o fulano gosta de você, se vai te pedir em namoro...rs. Anos mais tarde, em 1989, resolvi aprender astrologia, onde eu trabalhava como secretária, na escola Girassol, do Maurice Jacoel. Lá havia também o curso de tarô do Valderson de Souza e eu me interessei meio no embalo, sem nem saber bem de que se tratava. Aí me encantei, não pela ideia de ver o futuro, mas sim de ver a mim mesma mais profundamente. No fundo, o tarô, pra mim, entrou feito o Louco: de repente, ao sabor do que chamamos de acaso e de um jeito bem lúdico... rs. LM - Por quê você resolveu fazer este livro? Afinal, Tarot Luminar não é um manual de tarot apenas, é bem mais do que isso. Você pode me falar sobre esta diferença? Ivana - Aprendi com o Valderson de Souza que há ciclos na vida, que se alternam entre aprendizado, compartilhamento, ensino, aprendizado de novo etc. Quando percebi que estudava o tarô há mais de vinte anos, pensei que talvez fosse hora de partilhar o que aprendi. Além disso, vi que a maioria das pessoas que me procuravam só queriam a abordagem divinatória e essa não é, realmente, a minha linha, porque eu não vejo a menor vantagem (ou graça) em pensar que o que vai acontecer está, assim, fechado e lacrado nas estrelas... rs. Então resolvi escrever de que forma entendo o uso do tarô na vida, porque penso que desenvolver ferramentas para enxergar a si mesmo com mais clareza e para se entender com o que nos move subliminarmente, é bem mais importante e inteligente do que depositar na mão de um vidente a esperança de que algo bom esteja predeterminado. Eu não discuto se é possível prever o futuro, porque esse debate teria que incluir Einstein e a Quarta Dimensão, a Física Quântica e por aí vai, e eu não me aprofundei mais nessa pesquisa sobre a possibilidade do futuro poder ser previsto, porque isso não me é especialmente interessante. O que eu acho é que há sempre o tremendo risco de que, ao ouvir uma previsão, o cliente fique predisposto a isso, ou seja induzido a isso. No caso de ouvir "Você vai se casar com um escocês" ou coisa do gênero, não há grande problema, talvez. Mas caso a pessoa ouça "Você vai abortar todos os filhos que engendrar", bem, jamais saberemos a verdade por trás do que vier a ocorrer. Quando eu tinha dezesseis anos, uma quiromante me disse que eu seria viúva aos trinta e dois anos. Juro que só esqueci daquilo ao completar trinta e três...rs. E mesmo que eu tivesse enviuvado nessa idade, de que isso teria me servido? Portanto, diria que eu revejo o presente, em vez de prever o futuro... rs. O que eu, sim, realmente sei, é que é possível construir um caminho pessoal mais pacífico, mais realizador e mesmo mais feliz, desde que a gente conheça melhor nossa luz e nossa sombra, aprenda a fazer acordos com uma e com outra e também a ter mais coragem para ser quem e o que efetivamente somos. Escrevi o livro para tentar demonstrar como o tarô serve para devolver o que chamo de autonomia ideológica e também de guia lúdico para viajar para dentro de mim mesma e, então, espero que ele sirva como sugestão a quem o lê para fazer o mesmo. LM - E a diferença não está só no modo com que você nos apresenta seu tarô, mas também na maneira de divulgá-lo. Tarot Luminar é comercializado pela Ag book. Para você, quais as vantagens proporcionadas por esse circuito via web? Ivana - A primeira vantagem que vejo é o fato de poder mudar algo a qualquer momento e isso passar a valer instantaneamente, assim que eu faço o upload novamente. Fiz esse livro totalmente sozinha: texto, foto da capa, fotos internas, índice, diagramação etc. Não tive revisor e estou muito longe de escrever gramaticalmente de forma impecável. Portanto, evidente que ele tem erros diversos que eu, por mais que tenha me concentrado, não dei conta de cobrir completamente. Então, essa facilidade de mudança ou correção é interessante. Além disso, a internet faz parte da vida, hoje. A agilidade da compra on line favorece grande parte das pessoas que não tem tempo de bater perna atrás do que deseja. Comprar pela internet e receber a versão impressa em casa é uma mão na roda, eu acho. E também há pessoas que realmente gostam da versão ebook, embora eu não seja uma delas..rs. LM - Você pode narrar algum fato interessante ou marcante nas suas leituras de tarô? Ivana - Olha, é complicado, porque qualquer coisa que eu conte o cliente vai se identificar e acaba sendo antiético, mesmo sem dar nome aos bois. O que eu posso comentar é que, muitas vezes, a pessoa escuta o que eu digo, diz que não é nada disso, aí resolve me contar a vida, como quem quer me mostrar onde errei, e só então começa a perceber que está me contando exatamente tudo o que eu acabei de falar... rs. Pior é quando a pessoa pergunta algo do tipo: Devo casar ou comprar uma bicicleta? E o tarô responde: "O que é casar, pra você?", ou, "O que é uma bicicleta, pra você?"...rs. As pessoas querem um oráculo prêt-à-porter e o tarô é um sábio, um xamã, um guru. Ele nos ensina a pensar, não a procurar respostas prontas. LM - Há cartas mais pesadas no tarô: a morte ou a torre. Como interpretá-las? Ivana - Difícil ser concisa, em especial falando sobre esses dois arcanos, mas vamos ver: O arcano XIII, chamado de "A Morte", é a carta da transformação e da aceitação da dor e dos finais. Ela pode aparecer como momento de mudança, de necessidade de cortar o que já não serve mais, ou pode aparecer para falar de que é hora de aceitar o fim. Não só da vida, mas de tudo: de um trabalho, de um amor, de uma amizade, de uma fase etc. O fato intransponível é que tudo o que é terreno tem fim. A priori, o ser essencial é eterno, como a arte é eterna porque é fruto do espírito, por exemplo, mas o que é material é finito "e fim de papo", como eu a vejo dizer. O mundo está infantilizado demais, temeroso demais, apegado demais, ao mesmo tempo em que as vidas tornam-se cada vez mais vazias de significado. A Morte do tarô estala o dedo e diz: "Hello?! Você não vai durar para sempre. Caia na real e viva; viva genuinamente". A Torre é mais dura de encarar, acho. Eu digo que ela é dual, como O Enforcado e A Morte, porque há a Torre cujo entendimento fica muito além da nossa capacidade de compreensão, como as coisas trágicas que acontecem (aparentemente) sem razão de ser e sobre as quais ninguém que seja sério pode se dar ao luxo de pretender saber explicar, embora milhares o tentem...rs. Essa faz parte dos mistérios. Mas há outra Torre, a que fala dos raios que nos detonam de repente, num susto, e a lição mais difícil é o entendimento de quão encerrado está você, quão estreita ficou a sua mente, e, mais importante, de quanta questão você fez de não enxergar a formação da tempestade que desencadearia o raio. Porque a ideia é que um raio não cai assim, do nada. Há sinais, antes da tormenta. Há o vento e o cheiro do vento, a cor da luz, o canto de pássaros que se escondem etc. Mas se a gente fica surdo e cego; se chega a pensar que já sabe tudo o que precisava saber; se a gente grava em fogo sobre pedra nossa tábua de mandamentos, sem brecha nenhuma para reavaliação, sem espaço para a humildade de saber que ninguém sabe tudo, bem, o tal mistério abre o alçapão e o raio cai, como um lembrete, desestruturando todo esse nosso esquema certinho e fechado. LM - Em um momento você diz que, "no Mundo o herói realmente entende que tem abelhas e moscas dentro de si, em igual proporção". Este enfoque é bem diverso da maioria dos tarólogos, que percebem o Mundo como uma carta de plena realização, em todos os sentidos. Você se baseou em algum método para construir a sua prática? Ivana - Minhas conclusões são calcadas nas minhas reflexões e meditações sobre os arcanos. Sempre repito que o livro fala sobre o meu tarô. O único método que posso dizer que empreguei foi o de permitir que a mente viajasse tendo como pontos de partida os atributos básicos de cada Arcano Maior (com os quais a maioria dos tarólogos concorda), sem perdê-los de vista, mas ampliando a visão, como quem os vê de cima. Entender que temos abelhas e moscas é acolher com alegria o ser imperfeito que somos, é celebrá-lo, na verdade. É isso que eu vejo no arcano XXI, O Mundo. É finalmente entender que não existe o ser sem sombra, porque luz e sombra são faces da mesma coisa, são interdependentes. O ser do Mundo é o ser que não apenas aceita que tem sombras, mas rejubila-se por ser quem é e por aqui estar. LM - Por quê Tarot Luminar? Ivana - Porque acho que há escuridão demais no mundo, hoje. Há fumaça demais nos confundindo, há pouca visibilidade. O mundo atual tem coisas demais acontecendo por trás de véus e há muita dificuldade para enxergar a realidade por baixo dos panos. A mídia nos manipula, a tv nos programa incessantemente, a propaganda é veículo disso também. Já não se sabe mais em qual jornalista acreditar, tacha-se pejorativamente de "teoria de conspiração" qualquer documentário ou pesquisa séria que desvenda barbaridades por trás do aparente. As pessoas estão perdendo cada vez mais rapidamente a capacidade de refletir, questionar e concluir com independência, com a tal autonomia ideológica que citei antes. Meu enfoque do tarô, através do exercício lúdico de refletir sobre os conceitos dos arcanos, tem por humilde objetivo reacender a luz, ajudar a resgatar esse pensamento isento, capaz de perceber e decodificar o que recebe de informação, ao invés de apenas engolir e em seguida papagaiar as toneladas de sofismas que despejam sobre nós diariamente. LM - Que sugestão você daria para quem joga amadoramente tarô ou quem está começando a trilhar este caminho? Ivana - É um tremendo clichê, eu sei, mas é verdade: as respostas estão dentro de nós e transparecem em muitas coisas (simplesmente ouvindo o que está acima do discurso do ego, ou observando-nos na interação com o outro, nas escolhas que fazemos, na forma como adaptamos ou descartamos o que recebemos do clã, etc.). Porém, para a maioria de nós, hoje, está longe de ser algo fácil de fazer, porque fomos nos desligando da sensibilidade que nos permite percebê-las. Caminhos como o do tarô são como amplificadores, caixas de som ou fones de ouvido... rs. Eles não trazem as respostas prontas, mas clareiam o som da mente e nos ajudam a distinguir as genuínas das insidiosas. Por isso, minha sugestão é de que você trilhe esse caminho, que se torne íntimo do baralho, caso, intuitivamente, sinta essa atração, mas que não se prenda a ele como única verdade. Uma boa leitura de tarô, a meu ver, pede mais do que apenas os atributos dos arcanos. Abra-se ao coração do Louco e amplie as fontes desse tipo de conhecimento, xerete os diversos caminhos que refazem a conexão consigo mesmo e com a intuição. Isso é o que realmente enriquece qualquer forma ou caminho, o tarô incluído. LM - Sendo o tarô uma linguagem universal, o quê, para você, ele ensina a todas as pessoas em todos os tempos? Ivana - Acho que o fundamental de qualquer pesquisa que busca levar-nos a saber mais sobre quem somos, seja o tarô, a astrologia, o I Ching, a psicanálise etc., é o reconhecimento de que cada um de nós importa, particularmente; cada um de nós tem valor, é um ser único e especial, capaz de criar, produzir e realizar coisas interessantes e benéficas para si e para os outros. Há gente demais hoje em dia falando em cuidar do meio ambiente, em evoluir espiritualmente e coisas do gênero, mas percebo que em muitos casos é só um discurso do ego, é só um blablablá, porque a mídia bombardeia essas ideias e muitos preferem apenas seguir um rebanho e não seguir um caminho. Mas evoluir demanda uma vida toda e independe de ser carnívoro, de beber álcool, de ser sexualmente casto ou de fazer caridade. Tudo isso pode fazer parte do caminho para alguns de nós, claro, mas evoluir, para mim, é, antes, saber mais profundamente quem sou e o que realmente me move; ser capaz de manobrar impulsos sombrios, de reconhecer erros e, acima de tudo, de me identificar com o outro, de lembrar que eu não sou, não sou realmente, nem melhor, nem pior que o outro. Compreender as dificuldades que todos enfrentamos e reconhecer que somos humanos, falíveis e que quem já não falha em "xis" área não é porque é melhor que quem ainda o faz, mas é apenas alguém que conseguiu enraizar um aprendizado. Aprender não é apenas ouvir uma lição com os ouvidos do ego e então pretender que nunca mais erraremos. Aprender é quando finalmente acontece um alinhamento entre corpo, mente e espírito, e aquela lição deixa de ser uma lição e torna-se um princípio ou guia que simplesmente passamos a seguir, naturalmente. E penso que o que essas reflexões nos ensinam é a discernir as ilusões para que, adiante, seja possível fincar o pé na realidade. Realidade é um conceito muito complexo, claro, mas, aqui, coloco no sentido de jornada pessoal, ou seja: fincar o pé na própria realidade e parar de vagar aos ventos de realidades alheias. |
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
Ivana Mihanovich entrevistada por Leila Míccolis
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